terça-feira, 23 de novembro de 2010

Educação Medicalizada

Educação Medicalizada

Autora: Carmem Fidalgo
Psicopedagoga

I Seminário Internacional – A Educação Medicalizada:
Dislexia, TDAH, e outros supostos transtornos.



Para os psicanalistas, essa situação é familiar. Freud recomendava que os pacientes fossem escutados com "atenção flutuante". Ele não sugeria que, durante a sessão, os analistas lessem o jornal ou cuidassem de seus e-mails.

Mas acontece que interpretar significa juntar dois pensamentos que, à primeira vista, não parecem ter muito a ver um com o outro. Para que isso aconteça, é preciso manter aberta a porta da divagação, de modo que pensamentos estrangeiros ao contexto não sejam barrados por princípio.

O diagnóstico médico e a escuta psicanalítica são processos que exigem um exercício criativo, se não inventivo. Neles, pode ser bem-vindo, AO MESMO TEMPO, divagar (ou mesmo devanear) e seguir os caminhos focados do pensamento que executa uma tarefa.

Nos anos 60, o metilfenidato (um estimulante) começou a ser usado para tratar o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em crianças em idade escolar. De 60 a 90, o diagnóstico de TDAH aumentou brutalmente: nos EUA, por exemplo, de 12 crianças em cada mil nos anos 70, chegou-se a 34 em cada mil nos anos 90.

Seja qual for a realidade neurológica e psicológica do TDAH e seja qual for a eficácia do seu tratamento com metilfenidato, é difícil não constatar que a epidemia tem também uma explicação cultural.

Sua história começa logo nos anos 60, uma época em que divagar (perder-se no pensamento e pelo mundo) era um valor positivo da contracultura. Desde então, voltamos a prezar o olhar focado do predador. O ápice dessa reação (e do diagnóstico de TDAH) foi a religião do sucesso dos anos 90.

Ora, começam a aparecer pesquisas que revalorizam a divagação e o devaneio. "Descobrimos" o que já sabíamos: há uma desatenção sem a qual não se consegue pensar nada que valha a pena.

Usando apenas o dito "controle executivo" focado, conseguiremos cumprir tarefas adequadamente (mesmo assim, à condição que não haja imprevistos), mas não inventaremos nada. A própria invenção científica (não só a criação artística) pede um uso simultâneo de controle executivo e divagação.

A segunda documenta (por ressonância magnética funcional) a cooperação possível de pensamento focado e devaneio (que ainda são, por muitos, considerados como atividades exclusivas uma da outra).

À luz dessas pesquisas, seria bom reavaliar nossa hipervalorização da atenção focada e, sobretudo, nossa medicalização sistemática de crianças que, às vezes, com toda razão, gostam de sonhar de olhos abertos. Contardo Calligaris 09/09/2010



Medicalização da Educação: Conseqüências para a criança e para o adolescente

Resumo da Palestra de: Maria Aparecida Affonso Moysés – Médica Pediatra – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – autora do livro: A institucionalização invisível e outros.
Existem pessoas que tem doenças reais, que podem dificultar a aprendizagem, mas também existem infinitos modos de aprender, pessoas sentem, agem, são tranqüilas, explosivas, etc, e nem por isso são doentes. O extremo reflete as possibilidades deste infinito. Quais as evidências científicas que existem, comprovando doenças como TDAH, dislexia? Não negamos doenças, e diferentes modos de aprender. Existem conflitos de interesse, conflitos com a ética, com o ser humano.
Categorias Teóricas: TDH, TDAH, TOD, Dislexia – Não pertencem à esfera da ciência.
Doenças neurológicas podem provocar muitas seqüelas, inclusive na aprendizagem. Em 1.896 o texto de um oftalmologista inglês, questiona a cegueira verbal, e coloca que crianças que não aprendem podiam ter estas cegueiras verbais, à qual foi dado o nome de: dislexia. Em 1.962 foi classificada como disfunção cerebral mínima, específica porque compromete a escrita e desaparece com a idade. Atualmente com exames de neuroimagem, captam diferenças de fluxo sanguíneo metabolizados pelas células, alterações temporais, frontais, parentais e cerebelo, que auxiliam no diagnóstico, (maiores dados: ABD, Associação Brasileira de Dislexia, 8º Simpósio Internacional de Dislexia) http://www.dislexia.org.br/ - Os exames são feitos com ativação do cérebro, textos para ler, pseudo palavras, palavras escritas. Como diferenciar de analfabetos? Quando o cérebro aprende mudam os resultados, causa de não saber ler, ou porque o cérebro aprendeu? Quando há muita explicação e disputa, se esta muito longe do real.
Ler não é enxergar, é uma tarefa cognitiva e mexe com as emoções, exemplo: um texto em árabe, para quem não sabe ler árabe, no exame acusará dislexia, pessoas tem comportamentos diferentes e o exame será alterado. Em 1.998 há um consenso americano, com base em evidências.

É necessária reflexão, preconceitos são formas cristalizadas, negações do real, são imutáveis, estão na esfera da fé, e não da razão, é empírico, portanto, não é mundo da ciência.

Em seus estudos Foucault, constata que, quem inicia a medicina é a ciência médica, e a medicina se autoconstitui como ciência, atribuindo ao corpo normatizações, o que é normal e o que é doença, fazem com a lógica da biologia.
Na biologia há vida, comunicação, biologizar estreita, não há vida, não tem contexto, não tem história, são processos da medicina.

O mundo é dos homens, a história social é mutável, nós construímos o mundo, constituímos a linguagem, constituímos a nossa subjetividade, na medicina a subjetividade é deletada, é preciso não nos biologizar, corpos sem vida, submetidos. Preconceitos são tidos como verdades absolutas, não se substituem, se acumulam. Em tempos não muito remotos, as crianças da classe trabalhadora, eram tidas como crianças que não aprendiam, não se alimentavam bem, tinham piolhos “eu nunca vi piolho comer neurônio” - Não estamos aqui só no campo dos preconceitos, mas no campo do controle social, dos interesses econômicos.

Os processos de medicina omitem ou distorcem os dados reais, dizem que metilfenidatos/anfetaminas são drogas seguras e eficazes, porém o principio ativo é o mesmo da cocaína , aumenta a dopamina (sensação de bem-estar), mas, ainda assim é um químico, perde-se a sensibilidade da vida, ficam em outra esfera, provocam artificialmente a sensação de bem-estar, a vida sexual – nada.

Quando se tira a Ritalina, os neurônios estão encharcados de dopamina, o que aumenta o uso de cocaína, cerca de 30 a 50%, das crianças, hoje adolescentes, estão em clínicas de drogaditos, porque a Ritalina é fácil de se encontrar, barata e os médicos dizem que é uma droga segura. Pesquisas mostram o uso em estudantes, para potencializar o aprendizado, mas as reações adversas são fortes: psicose, sonolência, tontura, suicídio, viram “zumbis” contidos em si mesmos. Deve-se fazer exames de sangue periodicamente, pois compromete as células sanguíneas, causa anemia profunda, coma hepática irreversível, doenças coronárias e morte súbita

A Ritalina foca a atenção – mas... Para que focar a atenção? Se a criança não presta atenção, às vezes o assunto não é interessante. Remédios são dados rotineiramente, quando medicalizada, a criança, se desconstrói direitos à vida, e, sociais. Diagnóstico/drogas – refém da doença iatrogênicamente (doutrina médica reinante, no século XVI, que pretendia explicar todos os fenômenos da economia animal pela química rudimentar da época.) fonte: dicionário Aurélio.

Todos devem ter acesso a educações laicas, gratuitas – Que interesses defendem a medicalização? A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo ministrou um curso para professores diagnosticarem TDH, TDAH, dislexia, e outros distúrbios/transtornos de aprendizagem, que foi patrocinado pela NOVARTIS (Laboratório Farmacêutico) – onde ficam os professores comprometidos pela educação de qualidade? - Existe um projeto que obriga as escolas a contratar profissionais para avaliar quem tem dislexia e tratar na escola.

Medicamento como o metilfenidato jamais devem ser dados, não há efeito terapêutico potencial, o medicamento pode ajudar como muleta. Existem famílias aprisionadas pelo diagnóstico, os pais, em sua maioria, se apegam à possibilidade de uma vida melhor para seus filhos, contexto histórico de várias consultas, se agarram às possibilidades, se apegam ao diagnóstico, e ali, ficam reféns. É preciso que a criança e a família se apropriem do processo da normalidade, é preciso tornar as avaliações menos herméticas, é preciso embasamento científico, alguns questionários para detecção de TDAH, beiram ao ridículo, com questões absurdas, tais como: é esquecido em atividades do dia-a-dia? ; Não consegue se envolver em atividades de forma calma? –- QUEM ESPERA QUE CRIANÇAS BRINQUEM DE FORMAS CALMAS? Os critérios usados, não são critérios de doença, mas de normas sociais, hoje o que existe, são critérios para rótulos, onde, criança mal educada é SINÔNIMO de cliente. Citando o texto: Os vendedores de doença e o livro: Bioética como novo paradigma - Um Novo Modelo Biomédico e Biotecnológico - Marcelo Pelizzoli – Pois criar problemas que levam a tomar remédios, é controle social.
A medicalização é uma nova forma de controle social, cita o texto de Basaglia, um novo modo de vigiar e punir, e Foucault discutem as instituições (onde loucos e criminosos eram colocados na mesma categoria), e a sociedade de controle sem necessidades de paredes, onde os seres são refém do fracasso.
No Hospital das Clínicas do Paraná existe um programa chamado: DEDICA (atua especificamente com crianças vítimas de violência física e psicológica) http://www.hc.ufpr.br/dedica/ em que crianças são encaminhadas ao serviço de saúde, com dificuldades de aprendizagem, TDAH, drogas, etc.
Narra a história de Felipe, 6 anos, joga muito bem no computador, brinca, pula e corre, como uma criança saudável. Aos dois anos de idade, foi visitar, (acompanhado pelos pais) os irmãos adolescentes que se encontravam em um abrigo para menores, pois eram drogaditos e eram espancados pelos pais. Durante a visita Felipe foi espancado violentamente pelo pai, encaminhado ao Conselho Tutelar, este colocou a criança em uma casa abrigo, separado do núcleo familiar, começou a apresentar fobias, escondia-se, trancava-se em armários, não dormia. A psiquiatra do abrigo diagnosticou TDH, TOD (transtorno de oposição desafiador), medicação: Ritalina. Com o passar do tempo, Felipe tinha melhoras comportamentais, a psiquiatra diminuía ou aumentava a dose do medicamento conforme o relato que as monitoras lhe traziam. Identificam que a criança piora cada vez que um “amiguinho” sai do abrigo para adoção, relato de uma monitora: - acredito que a agressividade pela saída do colega. Numa tentativa, deixaram Felipe sem medicação, foi posto para adoção, um casal vai visitá-lo e com freqüência saem para passear, um dia levam Felipe para casa, lá encontra o filho deste casal, como não sabia da existência deste, acontece um conflito e as crianças brigam, Felipe se esconde na garagem, e lá começa a gritar, amassa os carros. A avó da criança (que criava a criança desde bebe) fala ao casal que não admite a adoção, Felipe é então devolvido ao abrigo, e nunca mais tem contato com eles.
Crianças espancadas, vitimas de maus tratos estão recebendo diagnósticos de que “eles” tem problemas, ninguém vê ou fala da violência a que são expostos, a criança é que é doente.
Dos 150 atendidos pelo programa, 127 tomam drogas psicoativas, 63 com doses crescente, 18 haviam tomado por mais de metade da vida.
É de vidas que estamos falando, precisamos dizer não, não precisamos desrespeitar as regras para mudar, vivemos a diversidade, somos diferentes e temos diferentes modos de ser, reagir, agir, não somos iguais, porém a sociedade nos quer uniformizados, padronizados, e, os que não se submetem, são medicados quimicamente, são sujeitos destituídos de seus corpos. O corpo de Felipe é um corpo doente.
Nós nos deixamos cooptar, ou nos colocamos em defesa da vida?
É preciso olhar para dentro e manifestar o nosso melhor!



Como introdução, foi usada parte do texto de Contardo Calligaris, postado em seu blog no dia 09/09/2010 e a seguir o resumo da palestra de Maria Aparecida Affonso Moysés, proferida no dia 13/11/2010 no I Seminário Internacional sobre a Educação Medicalizada.
Diante do exposto, entende-se que a educação já tão fragilizada pelos descaminhos políticos, sofre também a influência do lobby dos grandes laboratórios farmacêuticos, que patrocinam cursos e seminários aos professores, instrumentalizando-os a identificarem/diagnosticarem supostos transtornos de aprendizagem, numa leitura rasa, empírica, sem embasamento teórico profundo. Justificando deste modo uma, das várias razões, para o fracasso escolar.
O aluno não é mal alfabetizado, o aluno não sabe ler ou escrever corretamente, porque teve má formação escolar, o aluno não aprende porque tem “transtorno de aprendizagem” ou é portador de TDAH, ou dislexia.
O problema é do aluno, não da escola, e por tal situação, é encaminhado ao médico que embasará o suposto diagnóstico da professora, ganhando desta forma mais um “rótulo” e uma receita médica, que o fará produzir, render mais, na escola, demonstrando maior atenção e obediência – “Os critérios usados, não são critérios de doenças, mas de normas sociais, hoje o que existe, são critérios para rótulos, onde criança mal educada é sinônimo de cliente.” –

Entendemos a necessidade da medicalização quando há problema de fato, o que nos traz o I Seminário sobre Educação Medicalizada, é o excesso de medicalização, o crescente uso indiscriminado de determinadas drogas, que mais possuem efeitos colaterais, do que efeitos terapêuticos, tornando assim “natural” o “anti-natural” que é medicalizar crianças e/ou adolescentes sem doenças reais, comprovadas cientificamente.

Vivemos em uma sociedade onde a vida foi banalizada, a violência crescente nos grandes centros urbanos ceifa jovens, que morrem por motivos fúteis, ou tornam-se “zumbis” vítimas da drogadição ilegal, como se isso já não bastasse para idiotizar a infância e a juventude, o professorado e a classe médica também resolveram colaborar, com maior ênfase, para a crescente sociedade “zumbilândia”, prescrevendo a “droga da obediência – Ritalina”. (O Mundo mudou, mas as crianças continuam sendo crianças, os professores reclamam dos alunos, mas não ensinam, na escola se os alunos não tem “desempenho normal“, chama-se um especialista, que diagnostica: dislexia, TDAH, ou outros supostos transtornos (como verdade absoluta), tirando a responsabilidade do professor, ou da família. Cada vez menos a gente se responsabiliza pela vida, e, delegar aos especialistas nos redime de culpa, pois “estamos fazendo a nossa parte” – Rosely Sayão (Em palestra proferida no I Seminário Internacional de Educação Medicalizada 11/11/2010).

Bella Lugosi ( O mais jovem dos quatro filhos de um banqueiro, Bela Lugosi começou a sua carreira nos palcos da Europa em várias peças de William Shakespeare. Mas no entanto tornou-se famoso pelo seu papel de Drácula numa encenação da clássica história de vampiro de Bram Stoker, e teve como especialidade os filmes de horror. Bela Lugosi fugiu de casa com 11 anos, abandonou a escola e engajou-se no trabalho de mineração. Na adolescência começou a atuar em pequenas companhias teatrais. O caminho mais comum o guiou do teatro para o cinema mudo húngaro, atuando com o nome artístico de Arisztid Olt. Porém, teve que interromper seu início de atividades no cinema graças à Primeira Guerra Mundial. Há boatos de que ele tenha sido ferido três vezes, assim causando sua futura dependência em morfina para aliviar as dores que seguiram por sua vida inteira. Há também uma versão que diz que ele conseguiu ser liberado do serviço se passando por louco.) Wikipédia. -- foi o primeiro ator a protagonizar Drácula, e o visual do conde, por ele criado, foi reproduzido em uma enorme variedade de filmes hollywoodianos. Atualmente o visual de Bella Lugosi, é tido como “trash”, pois os vampiros eram considerados “do mal”, criaturas das trevas, desprovidos de alma, que sugavam o sangue, roubavam almas de suas vítimas, hoje os vampiros são “do bem”, galãs que amam intensamente, sofrem por estes amores, punem-se por causar sofrimentos, e lutam contra os que persistem em causar mal à humanidade, (saga Crepúsculo). Na animação infantil Monstros S.A o “bicho papão” tem a função de assustar crianças, ganha por produção de choros e gritos (fonte de energia), o que sustenta sua sociedade, porém o protagonista acaba sendo seduzido pela docilidade de uma criança e os valores sociais da cidade dos monstros acabam por ser invertidos, a produção de energia tem agora como fonte, risos e gargalhadas.
Na política a palavra de ordem é “flexibilizar” os partidos de direita e de esquerda perderam seus papéis antagônicos, passando a “naturalizar” o errado, a corrupção, com palavras bonitas, justificativas aparentemente lógicas, causando entorpecimento nas pessoas que não sabem mais “como pensar” (Frente a isso, um outro termo usado pelo autor – derretimento – será empregado para designar a desintegração desse discurso sólido e fixo já em vias de enferrujamento dos compostos institucionalizados. Agora, nessa nova modernidade maleável, para Bauman o que vigora é a ascensão de um objetivo individual, em declínio dessas instituições, analogamente, sólidas e tradicionalistas. Essa mudança de parâmetros teria provocado, então, uma quebra dos moldes, as molduras de classe, etnia, linhagem etc., alguns dos já históricos pontos de orientação. Esses padrões já não estigmatizam o indivíduo, pelo contrário, seria do indivíduo que partiria, se chocando com os multifacetados novos padrões, cada vez mais micros, de convívio social e, por isso, com sucinta fluidez, normas que vão e estão se maleando em curtíssimo espaço de tempo. A modernidade da fusão social pela solidificação individual: Modernidade Líquida, (de Zygmunt Bauman) Luciano Vieira Francisco. São tantas informações, que a contemporaneidade nos impõe, num ritmo frenético, nos causando a ilusão da obrigatoriedade de sermos politicamente corretos, sempre jovens, antenados, plugados (instalou-se no mundo, do educador formal e informal que valoriza somente a juventude, o estilo de vida, onde todos somos jovens, abolindo a infância e a velhice, vivendo em um tempo que é obrigatório “ser feliz”, sem problemas ou tarefas árduas, sem responsabilidades e comprometimento, apenas consumir a imagem da “ família margarina “, e para tal, delegamos, terceirizamos a educação de nossos filhos. Rosely Sayão). Estes valores extensivos à família, à sociedade e às instituições é preocupante no sentido de que estamos supervalorizando valores que nos são impostos, para podermos ser aceitos, tidos como inteligentes. Valores estes que nos induzem ao consumismo exagerado, desde potes de margarina (contendo Omega 3, claro, pois faz bem à saúde) até o uso indiscriminado de medicamentos, pois são distribuídos catálogos com ofertas de remédios, assim como ofertas de alimentos nos supermercados, e as pessoas compram/consomem, mesmo sem necessidade.
Nesse sentido estamos produzindo uma sociedade fundamentalista, refém de idéias produzidas pela mídia, onde a telenovela dita regras e normas de condutas? Onde ficam, as autonomias, as liberdades de expressão, o livre pensamento? (Nessa aparente e sedutora emancipação, Bauman questiona a liberdade como real objetivo almejado, cravando o leitor com uma revelação formulada como indagação: “A libertação é uma bênção ou uma maldição? Uma maldição disfarçada de bênção, ou uma bênção temida como maldição?” (BAUMAN, 2001, p. 26). Embasado por seu estudo, ele mesmo responde: “A verdade que torna os homens livres é, na maioria dos casos, a verdade que os homens preferem não ouvir” (BAUMAN, 2001, p. 26). Desse modo, as idéias tradicionais de revolução e mudança nesta sociedade já estão póstumas porque os reacionários já não estão mais conosco, o mundo fluído não permite a “tradicionalidade ideológica” com suas táticas pré-determinadas e solidificadas. Mas esse não é um comportamento escancarado, na verdade, o maior problema da atual sociedade está justamente nesta ausência de se auto-questionar e se posicionar, ela prefere não tentar se reconhecer e sente-se absolvida a cada justificativa em seu senso comum e/ou acadêmico, o que causa certa intransigência a novas questões, principalmente se estas tiverem força suficiente para por em juízo o modelo vigente) Luciano Vieira Francisco.
Nunca o que esta posto deixa a todos satisfeitos, bem como não é fácil se expor nesta sociedade pós-moderna, tão exigente de perfeição, onde o público e o privado se confundem, tornando a todos nós confusos. A família, refém destes valores agrega experiências que não são suas, tomam para si um discurso imposto, cristalizando preconceitos como verdades. (Nessa perspectiva de pós-modernidade, a família na atualidade acena para identidades contraditórias, para a pluralidade de centros de poder, e o sujeito com problemas de aprendizagem apresenta-se como parte desta dinâmica de diversidade e diferenciação.) Família, psicopedagogia e Pós-Modernidade, Elisa Pitombo – Instituto Sedes Sapientiae.
Em um mundo tão plural, como aqui, amplamente justificado, de pessoas plurais, com suas singularidades, acredito ser a medicalização um mal necessário em casos de doenças comprovadas, existindo a necessidade real de tratamentos terapêuticos para os portadores de algum tipo de transtorno de aprendizagem, porém de forma criteriosa, cuidadosa, com diagnósticos assertivos multidisciplinares, e umas posturas clínicas científica, investigativas, com escuta atenta à criança/e ou, adolescente e à família, percebendo todo o entorno social, e a subjetividade dos envolvidos, intervindo na intersubjetividade, com ações conscientes, pertinentes e objetivas.

“Nós vos pedimos com insistência: Não digam nunca: isso é natural !
Diante dos acontecimentos de cada dia, numa época em que reina a
Confusão, em que corre sangue,
Em que o arbítrio tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza,
Não digam nunca:
Isso é natural !
Para que nada passe a ser imutável” Bertold Brecht
Bibliografia:
Pitombo, Elisa Maria (Instituto Sedes Sapientiae) - Família, psicopedagogia e pós-modernidade – Instituto Sedes Sapientiae - Cadernos de Psicopedagogia http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1676-492007000100006&script=sci_arttext
Francisco, Luciano Vieira - A modernidade da fusão social pela solidificação individual: Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman http://www.klepsidra.net/klepsidra23/modernidade.htm
I Seminário Internacional, a Educação medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos, dias: 11, 12 e 13 de novembro de 2010. Evento do CRP, ocorrido no auditório da UNIP – Campus Vergueiro.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Disbicicléticos

Disbicicléticos


Por Emilio Ruiz Rodriguez*

Dani é uma criança que não sabe andar de bicicleta. Todas as outras crianças do seu bairro já andam de bicicleta; os da sua escola já andam de bicicleta; os da sua idade já andam de bicicleta. Foi chamado um psicólogo para que estude seu caso. Fez uma investigação, realizou alguns testes (coordenação motora, força, equilíbrio e muitos outros; falou com seus pais, com seus professores, com seus vizinhos e com seus colegas de classe) e chegou a uma conclusão: esta criança tem um problema, tem dificuldades para andar de bicicleta. Dani é disbiciclético.
Agora podemos ficar tranqüilos, pois já temos um diagnóstico. Agora temos a explicação: o garoto não anda de bicicleta porque é disbiciclético e é disbiciclético porque não anda de bicicleta. Um círculo vicioso tranqüilizador. Pesquisando no dicionário, diríamos que estamos diante de uma tautologia, uma definição circular. “Por qué la adormidera duerme? La adormidera duerme porque tiene poder dormitivo”. Pouco importa, porque o diagnóstico, a classificação, exime de responsabilidade aqueles que rodeiam Dani. Todo o peso passa para as costas da criança. Pouco podemos fazer. O garoto é disbiciclético! O problema é dele. A culpa é dele. Nasceu assim. O que podemos fazer?
Pouco importa se na casa de Dani seus pais não tivessem tempo para compartilhar com ele, ensinando-o a andar de bicicleta. Porque para aprender a andar de bicicleta é necessário tempo e auxílio de outras pessoas.
Pouco importa que não tenham colocado rodinhas auxiliares ao começar a andar de bicicleta. Porque é preciso ajuda e adaptações quando se está começando. Pouco importa que não haja, nas redondezas de sua casa, clubes esportivos com ciclistas com quem ele pudesse se relacionar, ou amigos ciclistas no bairro que o motivassem. Porque, para aprender a andar de bicicleta não pode faltar motivação e vontade de aprender. E pessoas que incentivem!
Pouco importa, enfim, que o garoto não tivesse bicicleta porque seus pais não puderam comprá-la. Porque para aprender a andar de bicicleta é preciso uma bicicleta. (Felizmente, os pais de Dani, prevendo a possibilidade de seu filho ser disbiciclético, preferiram não comprar uma bicicleta até consultar um psicólogo.)
Transportando este exemplo para o campo da síndrome de Down, o processo é semelhante. Desde quando a criança é muito pequena, apenas um recém-nascido, é feito um diagnóstico – trissomia do cromossomo 21 – por um médico especialista, e verificado, com uma prova científica, o cariótipo. A partir disso, entramos em um círculo vicioso no qual os problemas justificam o diagnóstico, o qual, por sua vez, é justificado pelos problemas. Por que a criança não cumprimenta, não diz bom-dia quando chega, nem adeus quando vai embora? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Achei que era mal-educada.
Por que a criança não se veste sozinha, e sua mãe a veste e despe todos os dias, se já tem oito anos? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Pensei que não lhe tinham ensinado.
Por que continua a tomar mamadeiras se já tem seis anos? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Imaginei que era comodismo de seus pais.
Por que a criança não sabe ler? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Pensei que não lhe haviam ensinado.
Por que não anda de ônibus ? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Pensei que não lhe permitiam fazer isso.
E, assim, uma lista interminável de supostas dificuldades que, por estarem justificadas pela síndrome de Down, não necessitam de nenhuma intervenção, além da resignação. Todas as suas dificuldades se devem à síndrome de Down.
Podemos estender a qualquer outra deficiência em que o diagnóstico médico ou psicológico possa ser utilizado como desculpa para nos eximirmos de responsabilidades. Se classificamos a criança como disfásica, disléxica, discalcúlica, disgráfica, deficiente visual ou auditiva, mental ou motora, disártrica ou simplesmente disbiciclética, estamos fazendo algo mais do que “colocar um nome” no que pode acontecer com uma criança. Estamos criando expectativas naqueles que a cercam.
Por isso, eu sugiro que antes de comprar uma bicicleta para seu filho ou sua filha, comprove que não sejam disbicicléticos. Não vá que aconteça imediatamente após a compra dar-se conta de que se jogou dinheiro fora.

* Psicólogo da Fundação Down Cantabria
Fonte: zerohora.com
Publicado origanalmente em espanhol em http://www.downcantabria.com/revistapdf/85/73-74.pdf

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Psicopedagogia e a Família

A PSICOPEDAGOGIA E A FAMÍLIA

Isa Spanghero Stoeber, Zuleica P. De Felice

Ambas coordenam a seção de Psicopedagogia da Revista Viver, onde escrevem ou entrevistam profissionais, procurando criar um espaço de reflexão sobre essas áreas tão fundamentais de estudo, pesquisa e atuação. Nesta entrevista, elas discorrem sobre sua prática e os pontos de interligação entre as áreas profissionais, que permitem um trabalho de ótima parceria, com benefício para os indivíduos, as instituições e os profissionais

É possível desenvolver um trabalho psicopedagógico que inclua também a família?

Fazer um trabalho psicopedagógico interligado a uma terapia com a família amplia sobremaneira as possibilidades de investimento nos recursos pessoais e familiares dos pacientes que nos chegam ao consultório. Não nos podemos esquecer de que os relacionamentos humanos possuem múltiplas facetas, pois cada um de nós desempenha na vida uma enorme variedade de papéis, muitos dos quais justamente com alicerces na dinâmica família/indivíduo: papel de pai, de mãe, de filho, filha, de avô, avó, de irmão, irmã, para apenas citarmos os referentes à família nuclear. O sucesso ou insucesso dos outros inumeráveis papéis que teremos de exercer ao longo de nossa história dependerão, em grande parte, do sucesso ou insucesso de nossas relações dentro do sistema familiar. Poder investir neste sistema é, então, poder desenvolver meios eficazes de atuação em vários outros sistemas, entre eles a escola. É neste ponto de confluência que surge a riqueza de um trabalho psicopedagógico em parceria com um trabalho de terapia de família. Temos percebido, em nossa prática, que as queixas, sejam elas quais forem - dificuldade de atenção e concentração, no processo de aquisição da leitura e da escrita, no processo matemático, na organização, no tempo e espaço, nos relacionamentos, etc - sempre implicam a inclusão das instituições e, principalmente, a da família: o indivíduo nunca está sozinho no espaço terapêutico, pois traz com ele próprio todas essas relações.

Como é o trabalho de um terapeuta familiar sistêmico?

Quando uma família nos procura, o que ela pede é que a ajudemos a ver em que ponto de sua história ela ficou paralisada, que nó impede seu perfeito funcionamento, ou qual padrão de ligação não satisfaz. Salvador Minuchin, um dos grandes terapeutas familiares da atualidade, afirma que as famílias constroem histórias sobre suas vidas, e depois, com o passar dos tempos, elas se tornam as próprias histórias que contam. Por isto, a maneira como se organiza uma família está intimamente relacionada à visão que ela tem de si mesma. Com o passar do tempo, essa visão acaba por ajudar a construir os mitos familiares que, por sua vez, reforçam a visão que a família tem de si, e assim, sucessivamente. Muitas vezes, quando a família traz os seus problemas ao consultório, o que ela traz realmente são as definições que criou para si própria, e que acabam por funcionar como carcereiras: tentar escapar delas é como apalpar a morte, pois não se pode imaginar a vida de outra maneira. Numa dinâmica familiar, os vínculos emocionais que atam uns aos outros têm a densidade de um fio de aço: possibilitar movê-los, flexibilizá-los ou desatá-los é convidar os membros de um sistema familiar a percorrer um caminho cheio de perigos, mas com possibilidades imensas de novas descobertas. Nesse sistema, tudo aparece em forma de interações: não há o indivíduo sozinho, mas o indivíduo em interação com...Assim, uma mulher, enquanto esposa de um homem autoritário, pode funcionar como submissa, enquanto ela mesma é uma déspota na relação com os filhos. Estes, por sua vez, com cada um de seus irmãos podem agir de uma maneira: dóceis com alguns, blefadores com outros, dominadores com um mais novo, e assim por diante... Na terapia de família de linha sistêmica o terapeuta também faz parte do processo. Ele, ao experienciar as formas de atuação da família, por sua vez, revê suas próprias formas de atuação: ao filiar-se ao sistema familiar, possibilita que os membros daquele sistema também se filiem a ele. E é por meio da conquista da confiança na figura do terapeuta que se tornam plausíveis as mudanças necessárias.

Como deve ser vista a prática psicopedagógica, e em que sentido ela se articula com a terapia de família de linha sistêmica?

A prática psicopedagógica deve ter um olhar voltado para a saúde, para o desenvolvimento do potencial do sujeito como construtor do conhecimento, e, para tal, deve auxiliá-lo a sair do espaço e do tempo em que está, ressignificando sua aprendizagem. Deve também olhar as dificuldades -sejam cognitivas ou afetivas - como oportunidades de crescimento, pois todo indivíduo aprende além dos aspectos educacionais ou pedagógicos. Ela pode ter como suporte teórico os saberes das outras ciências, construindo-se e articulando-se em diferentes níveis, e, neste aspecto, articula-se muito bem com a terapia familiar sistêmica. Lembrando a fala de Lino de Macedo: "Qualquer pessoa pode beneficiar-se da psicopedagogia, pois ela é também uma prestadora de serviços. Como o conhecimento não tem fronteiras e nem proprietários, ela aceita o sujeito do conhecimento tal como ele se apresenta.."

Qual a função do psicopedagogo no processo ensino-aprendizagem e como pode ajudar a lidar com o fracasso escolar?

O processo de aprendizagem está intimamente ligado ao processo de estar no mundo, com suas dificuldades, obstáculos e "confusões vivenciais". Ora, se cada situação é um processo de aprendizado e compreensão, podemos encarar os obstáculos no percurso da vida - tais como, por exemplo, uma situação de fracasso escolar - como favorecedores de crescimento. Parece, no entanto, que a maior preocupação que se tem com respeito a situações consideradas "de fracasso escolar" é com relação ao futuro: seriam elas prenúncio de um fracasso na vida profissional, por exemplo? É importante lembrar que o fracasso escolar deve ser visto como sintoma de alguma outra dificuldade, que, por sua vez, solicita reflexão e mudança. Ligado objetivamente à reprovação escolar, ao indivíduo que não consegue aprender dentro de determinadas estruturas, o fracasso escolar, no entanto, pode ser visto inclusive como um rótulo que camufla as dificuldades de um sistema escolar. O campo de atuação onde ocorre pode ser determinante: reavaliar esse campo e os padrões por ele fixados é de vital importância para a compreensão de situações de dificuldade. Olhar um indivíduo com dificuldades escolares como se fosse um tonel que se esvazia, que não tem memória e não registra nada é, no mínimo, uma postura reducionista, que não permite encará-lo como sujeito de sua própria história. Por isto, o psicopedagogo deve trabalhar em conjunto com a família, a escola e outros profissionais ou instituições envolvidas, para poder chegar a um consenso a respeito dos problemas e das possibilidades de soluções. São questões como essas que merecem a atenção do psicopedagogo, e podem transformá-lo num mediador entre o aluno, a escola e a família, tanto instrumentalizando esse aluno para sua inclusão no sistema de ensino, como instrumentalizando as instituições no sentido de relativizar as expectativas.

Isa Spanghero Stoeber, Zuleica P. De Felice - Isa - orientadora educacional e terapeuta de família. Zuleica - psicopedagoga clínica e institucional.

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