quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Psicanálise e Educação

PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO
Questões do cotidiano
Renate Meyer Sanches
São Paulo - Editora Escuta, set/2010 - 2ª Edição – 90 páginas.


O Livro parte da teoria psicanalítica, de Freud, percorrendo por autores como Melanie Klein, D.W. Winnicott, Froncoise Dolto e Maud Mannoni. Inspirada nas situações (suas e de alguns entrevistados) vividas no cotidiano, dentro estruturas sociais viciadas, a escola e as instituições totais (Febem), o texto que Renate nos traz, remete à prática, formal ou informal, de questões educacionais, cujo foco é: o educador, a criança, a família, suas histórias, suas dificuldades e angústias, como seres únicos, porém de comportamento semelhantes, cada qual com sua subjetividade, agindo num mundo de construção permanente do eu, do outro, e do entorno social. O estudo objetiva contribuir para um novo olhar da criança, do educador e da instituição, para uma intervenção mais adequada.
Oferece instrumentos para questões sobre agressividade, sexualidade, e outras, buscando caminhos para lidar com angústias e dificuldades enfrentadas por educadores e educandos, propondo maneiras de olhar e pensar a criança, o educador e a instituição.

Dividido em seis capítulos, de forma narrativa a autora apresenta situações cotidianas, sugerindo idéias de como se colocar diante de problemáticas e possíveis dificuldades, tais como: A educação na cultura contemporânea; O ato de aprender e suas dificuldades: uma leitura psicanalítica; O jogo; Agressividade; Sexualidade; A função da verdade.

As culturas contemporâneas, tidas como: tipicamente narcisíca, valoriza o indivíduo, o prazer imediato, dificulta relações de amizade, transformações na família, deixando pais inseguros, perdendo o eixo da educação de seus filhos, valorizando excessivamente a criança em detrimento do certo e errado.

O aprender, não é diferente de outras atividades humanas, segundo Winnicott inicia-se nos primórdios da vida, sendo prazeroso para uns e sofrimento para outros, necessitando por vezes de um objeto transicional, que tem por função fazer uma ponte entre o mundo interno e o externo, aliviando a angústia da criança em situações de conflito. O prazer só vem quando o conflito é resolvido, e o educador ao lidar com essas questões será necessário criar condições de confiabilidade, para que a criança não sinta que o processo de aprendizagem é algo imposto, amenizando, porém colocando limites, levando a um processo de crescimento.

O jogo tem funções de fantasia, fundamental para o processo de aprendizagem levando a criança a elaborar o aprendizado, se apropriando deste modo, de pequenas dificuldades cotidianas e superando obstáculos, ao mesmo tempo, socializando, compartilhando experiências descobrindo a si mesma e ao mundo no qual se constrói, explorando, exercitando a criatividade, transformando sua realidade intelectualmente, dando significado, assimilando conceitos, regras que facilitarão seu contato com o mundo adulto.

Uma das maiores queixas de pais e educadores é a agressividade. “A psicanálise concebe um sujeito no qual a agressividade se constitui num potencial inato, tão fundamental quanto a sexualidade, algo que pertence ao rol dos recursos básicos do indivíduo para sua sobrevivência e seu crescimento.”(pg 43). Sinal de movimento, a agressividade é um impulso vital, diferente da destrutividade, que é a frustração imposta pelo ambiente. O educador reconhecendo este sentimento deve mostrar à criança sua legitimidade auxiliando-a a encontrar formas de expressar-se sem agredir a si e ao outro. Neste sentido a criança descobre que o mundo nem sempre lhe dá o que quer, exigindo o desenvolvimento de seus recursos internos para lidar com situações de frustração, uma boa ajuda para o entendimento dos conflitos é a brincadeira, histórias e conversas, que fornecerão à criança instrumentos saudáveis para seu desenvolvimento e transformação.

A sexualidade é talvez uma das maiores questões que causam dificuldades aos pais e educadores, por tratar-se de uma rede de contradições e conflitos, pela curiosidade e entendimento, pelas descobertas. Compreender a sexualidade, colocar limites e canalizar seu potencial frente ao mundo que apresenta muitos estímulos, é tarefa difícil, porém é condição essencial para a inserção do indivíduo no sociedade.

Muitas vezes no cotidiano parece ser mais fácil dizer pequenas mentiras às crianças, em questões como a morte, separação dos pais, adoção, abrigamento em instituições; Porém para a criança a confiança em si e no mundo esta sendo abalada, gerando sintomas de dor, sofrimento, de medo, desamparo, culpa. Faz-se necessário aos pais e educadores lidarem com a verdade de maneira sutil, lidando com esta problemática através de estratégias educacionais, como histórias, auxiliando a criança a lutar com seus fantasmas de maneira benéfica.







Num estilo coloquial, mesmo em se tratando de assuntos complexos, a educação na cultura contemporânea, é colocada com questões recorrentes, o argumento se desenvolve num contexto social que interfere na subjetividade, no jogo das aparências, e, no qual a criança torna-se um adulto em miniatura com seus desejos atrelados ao poder da mídia, incentivando o consumismo desvairado, onde o ser vale o tem, e não o que se é, tendo pouca compreensão de si, a criança incorpora valores impostos, causando insegurança nos pais e educadores. Porém diante destas transformações ficamos sem referencial para discernir o certo do errado, numa dúvida permanente, até, do que é certo e o que é errado, causando uma sensação de estranheza, onde os lugares (dos pais e educadores) não são claramente definidos e tudo toma um lugar comum. A compreensão de si fundamenta-se no reconhecimento da coexistência, e ao mesmo tempo constitui-se como ponto de partida para a compreensão do outro.) O ser da compreensão, Augras, M, pg 56, 1981. Nesse sentido observamos crianças tornando-se tiranas, defrontando-se com seus pais, anulando a possibilidade de descobrir suas reais capacidades, estas são questões da sociedade pós-moderna. (Nessa perspectiva de pós-modernidade, a família na atualidade acena para identidades contraditórias, para a pluralidade de centros de poder, e o sujeito com problemas de aprendizagem apresenta-se como parte desta dinâmica e diversidade e diferenciação.), Pitombo, E, - Família, psicopedagogia e pós-modernidade. pg 3 ( texto analisado em sala de aula)
Entendemos que instituições totais, dentro das condições de trabalho, e do cotidiano, as atividades ali exercidas, são permeadas pela hierarquia própria destas instituições, onde não há autonomia, e na qual os funcionários perdem o referencial, profissional/pessoal, aliciados numa teia de poderes subliminares, onde as relações são perpassadas pela “mão” institucional, perpetuando, desta forma, o sistema. Institucionalizado, o funcionário é ao mesmo tempo possuidor e possuído da Febem “à medida que vão ocorrendo transformações na identidade, concomitantemente ocorrem transformações na consciência (tanto quanto na atividade).” Ciampa, A da C. pág. 186, 1996. Desta forma não é possível que crianças e jovens abrigados, recebam toda atenção e respeito merecido.

A agressividade tem um movimento que nos comunica algo. Alguma coisa não vai bem. Essa comunicação é um vínculo com o espaço externo. A criança ingressa cada vez mais no mundo dos adultos, e com seu entendimento da realidade, manifesta essa agressividade através de seus atos, demonstrando raiva num movimento que traz à tona suas frustrações, o que neste sentido torna-se positivo, descobrindo que o mundo não lhe dá tudo o quer, e às vezes necessita. Já a passividade, a não manifestação de seus desejos encobre algo muito sério. Violência é tema de difícil argumentação, pois pertence ao rol de experiências intimas, pessoais, falar de violência implica em fazer surgir sentimentos de dor, sofrimentos que devem ser mantidos na esfera pessoal. Crianças vítimas de violência são agressivas. A escola é um espaço que a leva a criança a aprender a ser um ser social, o educador em sua pratica, não deve restringir-se a meras ações de reprodução do conteúdo, aprendizagem também é saber dar limites, perceber qual o melhor momento para introduzir assuntos delicados, que interferem no processo de aprendizagem.

Não é fácil se expor, e expor uma dúvida é ainda mais difícil, a criança é curiosa por natureza e faz perguntas que desestabilizam pais e educadores, a sexualidade não tem jeito de ficar trancada, porém trata-se de um dos assuntos menos resolvidos na escola e na família. Compreender a sexualidade, a curiosidade com relação ao outro e si mesmo, não são situações preocupantes, o educador preparado dará espaço para discussão, de modo adequado, com limites, desmistificar os conflitos implícitos e explícitos, lidando também com seus próprios conflitos, porque falar de sexualidade implica em expor-se também, distanciando-se da malicia, elaborando diálogos sensíveis, sem ambivalência, onde as emoções sejam atingidas para que a compreensão e o crescimento se façam.


O ato de aprender fica por vezes, prejudicado, diante de tantos estímulos aos quais as crianças são expostas, a vida torna-se um paradoxo, as situações colocadas, nos levam à reflexão, a percepção de si e do outro, e do contexto no qual se esta inserido. As soluções sugeridas são simples, práticas, coloquiais, que merecem aprofundamento, diante da subjetividade dos envolvidos, uma vez que, a prática se fará na intersubjetividade. O livro não se propõe a mudar teorias, inserir conceitos, porém respaldar a prática cotidiana, sensibilizando o leitor, a ter um novo olhar, maior atenção sobre si, seu entorno e à criança, é claro, objetivo, e nos induz a pensar, nas mudanças necessárias de hábitos cristalizados que interferem negativamente em nosso exercício profissional.

(Portanto mesmo que a psicanálise não se destine a educar, muito pelo contrário, ela só existe a partir de uma prática clínica com finalidade bem distinta da educação, pensasse que seu aporte teórico possa contribuir para pensar o campo da educação ou suas práticas, como uma via possível de articulação, do saber do sujeito do inconsciente com o saber sistematizado transmitido pela escola, ou seja, o educador subsidiado com esse saber poderá com mais propriedade fazer resistência aos saberes totalizados e fechados preconizado pela psicologização da educação, que muitas vezes, tende a padronizar modelos ideais de comportamento, como se ao sujeito não houvesse possibilidade de aprender a partir do erro e do equívoco.) Psicanálise e educação: algumas reflexões, Chernicharo, Edna A M pgs 4 e 5 (pdf)

A leitura deste livro é recomendada aos pais, alunos da área de educação, psicólogos, psicopedagogos, e demais funções correlatas. Trata-se de uma obra com linguagem simples, que traz problemas do cotidiano como exemplos, e neles busca soluções com propostas práticas e objetivas, sendo um grande ponto de partida para quem pretende respaldar, seu crescimento pessoal e profissional, contribuindo para uma postura mais reflexiva do leitor.



Renate Meyer Sanches é professora e supervisora da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica - PUC-SP por 38 anos, Renate Meyer Sanches é psicanalista, mestre em Psicologia Social e Doutora em Psicologia Clínica, é autora dos livros: Escolhi a vida: desafios da Aids mental; Psicanálise e educação: questões do cotidiano; organizadora e coautora de Winnicott na clínica e na instituição; e Conta de novo mãe.
Mãe de Claudia, Lars e Simone, é avó de Rafael, Naomi, David e Sofia. http://www.osmelhoreslivrosaqui.com/2010/11/conta-de-novo-mae-livro-da-psicanalista.html




Carmem Ap. Mendes Fidalgo
Sedes Sapientiae
Aluna do curso: Clínica Psicopedagógica: Interseção Teoria e Prática
Docentes: Elisa Maria Pitombo e Beatriz Helena Stucchi


Bibliografia:

Augras, Monique – O ser da compreensão – fenomenologia da situação de psicodiagnóstico, 2ª edição, Ed. Vozes, 1981

Ciampa, Antonio da C – A estória do Severino e a História da Severina – um ensaio de psicologia social, 6ª reimpressão, Ed. Brasiliense 1986

Chernicharo, Edna A M pgs 4 e 5 ( arquivo pdf) Psicanálise e educação: algumas reflexões.

Pitombo, Elisa M - Família, psicopedagogia e pós-modernidade ( texto ) pg 3
http://pepsic.bvs-psi.org.br/scieloOrg/php/reflinks.php?refpid=S1415-6954200900020000600020&pid=S1415-69542009000200006&lng=es

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