domingo, 27 de fevereiro de 2011

A Psicopedagogia e a Familia

A PSICOPEDAGOGIA E A FAMÍLIA

Isa Spanghero Stoeber, Zuleica P. De Felice

Ambas coordenam a seção de Psicopedagogia da Revista Viver, onde escrevem ou entrevistam profissionais, procurando criar um espaço de reflexão sobre essas áreas tão fundamentais de estudo, pesquisa e atuação. Nesta entrevista, elas discorrem sobre sua prática e os pontos de interligação entre as áreas profissionais, que permitem um trabalho de ótima parceria, com benefício para os indivíduos, as instituições e os profissionais

É possível desenvolver um trabalho psicopedagógico que inclua também a família?

Fazer um trabalho psicopedagógico interligado a uma terapia com a família amplia sobremaneira as possibilidades de investimento nos recursos pessoais e familiares dos pacientes que nos chegam ao consultório. Não nos podemos esquecer de que os relacionamentos humanos possuem múltiplas facetas, pois cada um de nós desempenha na vida uma enorme variedade de papéis, muitos dos quais justamente com alicerces na dinâmica família/indivíduo: papel de pai, de mãe, de filho, filha, de avô, avó, de irmão, irmã, para apenas citarmos os referentes à família nuclear. O sucesso ou insucesso dos outros inumeráveis papéis que teremos de exercer ao longo de nossa história dependerão, em grande parte, do sucesso ou insucesso de nossas relações dentro do sistema familiar. Poder investir neste sistema é, então, poder desenvolver meios eficazes de atuação em vários outros sistemas, entre eles a escola. É neste ponto de confluência que surge a riqueza de um trabalho psicopedagógico em parceria com um trabalho de terapia de família. Temos percebido, em nossa prática, que as queixas, sejam elas quais forem - dificuldade de atenção e concentração, no processo de aquisição da leitura e da escrita, no processo matemático, na organização, no tempo e espaço, nos relacionamentos, etc - sempre implicam a inclusão das instituições e, principalmente, a da família: o indivíduo nunca está sozinho no espaço terapêutico, pois traz com ele próprio todas essas relações.

Como é o trabalho de um terapeuta familiar sistêmico?

Quando uma família nos procura, o que ela pede é que a ajudemos a ver em que ponto de sua história ela ficou paralisada, que nó impede seu perfeito funcionamento, ou qual padrão de ligação não satisfaz. Salvador Minuchin, um dos grandes terapeutas familiares da atualidade, afirma que as famílias constroem histórias sobre suas vidas, e depois, com o passar dos tempos, elas se tornam as próprias histórias que contam. Por isto, a maneira como se organiza uma família está intimamente relacionada à visão que ela tem de si mesma. Com o passar do tempo, essa visão acaba por ajudar a construir os mitos familiares que, por sua vez, reforçam a visão que a família tem de si, e assim, sucessivamente. Muitas vezes, quando a família traz os seus problemas ao consultório, o que ela traz realmente são as definições que criou para si própria, e que acabam por funcionar como carcereiras: tentar escapar delas é como apalpar a morte, pois não se pode imaginar a vida de outra maneira. Numa dinâmica familiar, os vínculos emocionais que atam uns aos outros têm a densidade de um fio de aço: possibilitar movê-los, flexibilizá-los ou desatá-los é convidar os membros de um sistema familiar a percorrer um caminho cheio de perigos, mas com possibilidades imensas de novas descobertas. Nesse sistema, tudo aparece em forma de interações: não há o indivíduo sozinho, mas o indivíduo em interação com...Assim, uma mulher, enquanto esposa de um homem autoritário, pode funcionar como submissa, enquanto ela mesma é uma déspota na relação com os filhos. Estes, por sua vez, com cada um de seus irmãos podem agir de uma maneira: dóceis com alguns, blefadores com outros, dominadores com um mais novo, e assim por diante... Na terapia de família de linha sistêmica o terapeuta também faz parte do processo. Ele, ao experienciar as formas de atuação da família, por sua vez, revê suas próprias formas de atuação: ao filiar-se ao sistema familiar, possibilita que os membros daquele sistema também se filiem a ele. E é por meio da conquista da confiança na figura do terapeuta que se tornam plausíveis as mudanças necessárias.

Como deve ser vista a prática psicopedagógica, e em que sentido ela se articula com a terapia de família de linha sistêmica?

A prática psicopedagógica deve ter um olhar voltado para a saúde, para o desenvolvimento do potencial do sujeito como construtor do conhecimento, e, para tal, deve auxiliá-lo a sair do espaço e do tempo em que está, ressignificando sua aprendizagem. Deve também olhar as dificuldades -sejam cognitivas ou afetivas - como oportunidades de crescimento, pois todo indivíduo aprende além dos aspectos educacionais ou pedagógicos. Ela pode ter como suporte teórico os saberes das outras ciências, construindo-se e articulando-se em diferentes níveis, e, neste aspecto, articula-se muito bem com a terapia familiar sistêmica. Lembrando a fala de Lino de Macedo: "Qualquer pessoa pode beneficiar-se da psicopedagogia, pois ela é também uma prestadora de serviços. Como o conhecimento não tem fronteiras e nem proprietários, ela aceita o sujeito do conhecimento tal como ele se apresenta.."

Qual a função do psicopedagogo no processo ensino-aprendizagem e como pode ajudar a lidar com o fracasso escolar?

O processo de aprendizagem está intimamente ligado ao processo de estar no mundo, com suas dificuldades, obstáculos e "confusões vivenciais". Ora, se cada situação é um processo de aprendizado e compreensão, podemos encarar os obstáculos no percurso da vida - tais como, por exemplo, uma situação de fracasso escolar - como favorecedores de crescimento. Parece, no entanto, que a maior preocupação que se tem com respeito a situações consideradas "de fracasso escolar" é com relação ao futuro: seriam elas prenúncio de um fracasso na vida profissional, por exemplo? É importante lembrar que o fracasso escolar deve ser visto como sintoma de alguma outra dificuldade, que, por sua vez, solicita reflexão e mudança. Ligado objetivamente à reprovação escolar, ao indivíduo que não consegue aprender dentro de determinadas estruturas, o fracasso escolar, no entanto, pode ser visto inclusive como um rótulo que camufla as dificuldades de um sistema escolar. O campo de atuação onde ocorre pode ser determinante: reavaliar esse campo e os padrões por ele fixados é de vital importância para a compreensão de situações de dificuldade. Olhar um indivíduo com dificuldades escolares como se fosse um tonel que se esvazia, que não tem memória e não registra nada é, no mínimo, uma postura reducionista, que não permite encará-lo como sujeito de sua própria história. Por isto, o psicopedagogo deve trabalhar em conjunto com a família, a escola e outros profissionais ou instituições envolvidas, para poder chegar a um consenso a respeito dos problemas e das possibilidades de soluções. São questões como essas que merecem a atenção do psicopedagogo, e podem transformá-lo num mediador entre o aluno, a escola e a família, tanto instrumentalizando esse aluno para sua inclusão no sistema de ensino, como instrumentalizando as instituições no sentido de relativizar as expectativas.

Isa Spanghero Stoeber, Zuleica P. De Felice - Isa - orientadora educacional e terapeuta de família. Zuleica - psicopedagoga clínica e institucional.

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