segunda-feira, 9 de maio de 2011

Crianças imaturas

MAS EU QUERO!

Isabel Cristina Hierro Parolin

Tenho presenciado cenas e vivido situações, principalmente com crianças na faixa etária entre 5 e 9 anos, que acreditam que basta elas não quererem para que devam ser atendidas. Tem-se a impressão de que a criança aprendeu que a simples formulação dessa frase, "mas eu quero..." estabelece o motivo e a obrigatoriedade de serem atendidas, incondicionalmente, em seu desejo.
Ouço depoimentos de professores relatando histórias de alunos que se negam a fazer lições de casa ou a estudar determinado tema, ou a participar de um trabalho coletivo e, como justificativa, estas crianças dizem que não querem, que é chato. Quando os professores insistem, dando um limite claro que é importante e necessário fazer determinada atividade escolar elas replicam, revestidas de autoridade que não querem fazer e que não vão fazer!
E agora? Como proceder? Estas crianças acreditam que só devem fazer o que lhes dá prazer. O que elas aceitem. Não aceitam submeter-se a um processo mais trabalhoso e mais elaborado. Não aceitam os procedimentos acadêmicos necessários à aprendizagem. Não querem, como se diz em linguagem popular, suar a camisa... Se estes professores recorrem aos pais, eles replicam "Você viu só? Ela só faz o que ela quer..." ou ainda, "Ele é fogo...Não obedece mesmo!"
Um pai contou-me que seu filho negava-se a escovar os dentes e que não havia jeito de o fazê-lo. Perguntou-me se ele deveria deixar e esperar que ele amadurecesse e entendesse a necessidade, desta higiene ou se ele deveria insistir. E os dentes esperam uma pessoa amadurecer para escova-los? Parece-me que não!
Ainda conheço um jovem que se nega a ir para a primeira aula, pois acha muito cedo. Conheço outro menino que não aceita fazer exercícios, ele acha que, basta ouvir o professor explicar. Sei de crianças que se negam a colocar o uniforme da escola por acha-lo feio. Sei de uma menina que não aceita a norma de não comer durante as aulas. Sei de pais que não conseguem que seu filho tome o remédio por ser ruim. Algumas crianças e jovens não vão à recuperação, outros não querem fazer terapia...E assim vai...
O insólito dos relatos não é os fatos em si, pois se pensarmos bem escovar os dentes é um expediente trabalhoso, assim como fazer exercícios de matemática. Levantar cedo é chato mesmo, mas faz parte do viver em nossa sociedade. Talvez o uniforme a que o aluno se refere não seja o mais bonito, mas é o uniforme da escola que ele escolheu e freqüenta. Os horários e os procedimentos escolares são contratados na matrícula. Logo, por que estes pais não conseguem que seus filhos procedam de acordo com o contrato, as necessidades, costumes ou regras?
Muitos pais acreditam que por não estarem dando a atenção que gostariam de dar para seus filhos não têm o direito de lhes exigir responsabilidade."Ela ainda é uma criança...", pensam. Outra situação relacionada ao fato da culpa por não estar mais perto de seus filhos é o hábito de dar coisas para compensar a ausência, como se este procedimento os redimisse e os tornasse bons pais e merecedores do amor e admiração de seus filhos. Acabam construindo um circuito de prazer em que a frustração deve ser evitada a todo o custo. Quem não se propõe a trabalhar suas dificuldades, a viver situações de estresse e de frustração e a entender a dinâmica social não poderá inserir-se adequadamente neste contexto. Vale dizer que ao poupar uma criança do trabalho de crescer a condenamos a ser eternamente crianças, imaturas e despreparadas para o convívio e para o exercício da cidadania.
Por outro lado, as crianças não querem apenas as coisas que pedem ou que negam fazer. Na grande maioria das vezes elas não sabem, exatamente, o que estão querendo e quais seriam as repercussões de seus atos. Elas buscam algo muito mais importante e necessário para elas que é a emoção e a atenção de seus pais. Este movimento acaba criando um circuito vicioso em que quanto mais a criança quer, mais ela ganha e mais ela quer. O relacionamento acaba se substanciando no estresse da relação e na ausência de regras de boa convivência. Os pais ficam exaustos e os filhos insaciáveis.
Os porquês e as regras são fundamentais para que a criança entre no universo da razão. É esperado que uma criança só queira viver coisas que lhe dêem prazer, no entanto, é fundamental que seus pais e professores lhe mostrem que o esforço faz parte das conquistas. Ninguém morre por não ser atendido em um desejo, mas pode perder muito por não conseguir compreender que seus pais têm dificuldades, trabalham, se esforçam. A relação de autoridade, que inicia na relação com os pais, possibilita à criança uma convivência politizada e instrumentalizada para esses novos tempos.
Inicialmente uma criança obedece por respeitar a pessoa que impõe a regra, depois com a repetição e o entendimento de sua lógica a criança compreende e aceita a regra e esta é reelaborada e passa a ter um sentido social, além de uma lógica pessoal. Para que isto ocorra são necessários muitos 'nãos" e seus devidos "porquês", além de uma boa dose de paciência, de escuta e de atenção. Mais tarde, quando a criança for maior ela respeitará quem lhe ensinou a viver adequadamente dentro das normas sociais a que todos somos expostos.
Crescer é transpor limites. Quando os pais não dão limites para seus filhos acabam limitando-os em sua condição infantil e impossibilitam o transcender da maturidade
Muitos pais confundem atender incondicionalmente uma criança com educá-la amorosamente. É muito importante a criança sentir-se compreendida em seus desejos e desprazeres, saber que está sendo ouvida e que tem com quem contar. Acolher o sentimento é um procedimento esperado, adequado e muito importante à formação de uma pessoa. Dar limites para a ação é um procedimento educativo fundamental para a adequação emocional e social.
Estava em uma festinha quando uma criança procurou, chorando a sua mãe e explicou que um amiguinho tinha lhe batido. A mãe teve uma reação fundamental para a educação e equilíbrio emocional de seu filho. Abraçou-o e ouviu o relato choroso da criança. Após o desabafo a mãe comentou, 'puxa, que chato...isto dói mesmo...você deve estar sentindo muita raiva dele..." A criança sentindo-se acolhida, prosseguiu: "Eu quero que você bate nele, para ele não bater mais em mim..." A mãe explicou para ele que um erro não justificava outro. Explicou para o seu filho que um menino que não sabe respeitar seus amigos, fica sem companhia e que o ganho dele era ser considerado legal e que, quem sabe respeitar, sempre tem amigos. O menino contentou-se, sentiu-se valorizado e importante e voltou a brincar. A ação deve ser educada e o desejo deve ser compreendido, nos ensina Yves de La Taille.
Nós, pais e educadores devemos estar sempre atentos ao que permitimos "apenas hoje" ou ainda, "só nesta situação", pois a cada ação, nossas crianças constroem seus valores, seus códigos de conduta e seus princípios.
Pais e professores de uma criança devem se fazer presentes em suas vidas promovendo vivências fundamentadas nas virtudes, só desta forma nossas crianças poderão superar-se e superar-nos na milenar arte de viver e conviver!

Publicado em 18/10/2001

Isabel Cristina Hierro Parolin - Pedagoga pela PUC-PR, Especialista em Psicodrama e Psicopedagogia e Mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP. Atende crianças e jovens em seu processo de aprender ou de não-aprender, assim como a suas famílias, objetivando ações educativas. Consultora institucional, em todo o Brasil, de escolas públicas e privadas. Professora em cursos de pós-graduação em psicopedagogia e áreas correlatas. Pesquisadora do grupo “Aprendizagem e Conhecimento na ação educativa” da PUCPR. Palestrante para pais e professores. Conselheira da Associação Brasileira de Psicopedagogia PR-SUL. Participou de eventos educacionais no Japão, Áustria, Bulgária, Alemanha e Espanha. Autora de vários livros e artigos em revistas, jornais e sites relacionados à aprendizagem e à educação.

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