quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Brinquedo e Infancia nos filmes Toy Story

BRINQUEDO E INFÂNCIA NOS FILMES TOY STORY Michelle Brugnera Cruz RESUMO – No presente artigo, apresentam-se posições enunciadas por educadores e analistas da cultura sobre brinquedos e infância. Examina-se suas configurações nos filmes da saga Toy Story. As análises inspiram-se nos estudos culturais, em sua articulação com o brinquedo e a infância, considerando os filmes repletos de pedagogias culturais. Destacam-se seus efeitos produzidos no cinema, na produção de brinquedos e na configuração discursiva da infância. Os brinquedos ganham centralidade nessas histórias, que narram brincadeiras corretas e incorretas. Nelas se reafirma a importância da ludicidade para a constituição da criança. Palavras-chave: Brinquedo; Infância; Cultura Infantil; Toy Story. TOY AND CHILDHOOD IN THE MOVIES TOY STORY ABSTRACTY – In this paper we study views presented by educators and culture observers about the relationship between toys and childhood. We study how toys and childhood are displayed in the movie Toy Story. The analysis were inspired in cultural studies, in their work with toys and the childhood, considering these movies embedded with cultural pedagogies. We highlight a host of powerful effects in the cinema, in the manufacturing of toys and in the discursive configuration of childhood. The toys yield an important role in the representations conveyed in these stories, which tell correct and incorrect ways of playing. In these stories the importance of playing is reassured in the importance of children’s development. Keywords: Toy; Childhood; Kinderculture; Toy Story. INTRODUÇÃO: a pedagogia do filme toy story O campo da educação contemporânea tem se caracterizado pelos discursos dos resultados, dominados por questões de gestão e gerência (GIROUX, 2009; SANTOMÉ, 2009; BUJES, 2002). Os conteúdos tradicionais das culturas hegemônicas são tomados como o centro do ensino, enquanto a cultura das minorias são silenciadas ou relegadas aos “temas transversais” (SANTOMÉ, 2009). Um dos temas marginalizados pelas propostas curriculares é a cultura infantil, os modos próprios da infância de ver a sociedade, suas interpretações, vivências, predileções, jogos e brincadeiras. Muito se estuda a importância das brincadeiras para o desenvolvimento infantil, porém, pouco se reflete e analisa os significados culturais, históricos e peculiares dos brinquedos (SANTOMÉ, 2009; BUJES, 2002). A falta de reconhecimento das formas culturais da infância como veículo de representação e a ausência de problematizações desses artefatos culturais no contexto das salas de aula relega a cultura infantil a uma posição subalterna em relação a outras disciplinas acadêmicas (GIROUX, 2009; SANTOMÉ, 2009). Pela escassa problematização dos temas da cultura infantil, dentre eles o brinquedo e o cinema, é que se justifica o presente estudo, cujo objetivo é analisar as representações de infância e brinquedo proferidas nos filmes Toy Story, inspirando-se nos estudos culturais e suas articulações com os estudos da infância considerando os diferentes significados produzidos pelos filmes. Tendo em vista que os significados atribuídos aos infantis são constituídos tanto pela cultura, quanto pela economia e política de forma articulada, nestes escritos, o sujeito infantil é considerado produto de uma construção histórica e cultural. Pretende-se neste trabalho discutir como o brinquedo, enquanto manifestação da cultura vivida, é representado na trilogia Toy Story, que assume um papel pedagógico. Partindo-se do pressuposto que os discursos são constitutivos da cultura, permeado por relações de poder, que conduzem o processo de representação (BUJES, 2004), o artigo analisa os significados culturais atribuídos aos brinquedos na contemporaneidade. “AMIGO ESTOU AQUI”: brinquedos e infância O campo dos estudos culturais visa compreender como diferentes significados são gerados, difundidos e produzidos através de diversas práticas, dentre elas, variados textos e os modos como estruturam as relações sociais. Os textos não se referem apenas à cultura impressa, mas a todas as manifestações visuais e auditivas mediadas eletronicamente, que tem promovido profundas mudanças na forma como o conhecimento é concebido, produzido e consumido (STEINBERG, KINCHELOE, 2004; GIROUX, 2004, 2009). O brinquedo participa da construção da infância através de complexos significados e práticas produzidas não apenas por seus criadores e difusores, como também por aqueles que o utilizam. É possível entender o lugar da criança na sociedade através dos usos e significados atribuídos aos brinquedos. Segundo Brougère (2004, p.14): O brinquedo participa dessa construção da infância e dele é, ao mesmo tempo, conseqüência, reflexo e uma das causas. O lugar do brinquedo, sua própria existência, a forma que lhe damos, o modo como entra em relação com a criança, depende do lugar da criança na sociedade e das imagens que dela fazemos. Por serem portadores de significados e valores culturais que revelam os discursos, concepções e representações da sociedade, os brinquedos revelam os conceitos de infância construídos historicamente pela cultura ocidental. O brinquedo passou a ser objeto destinado à educação e divertimento das crianças junto à “emergência do sentimento de infância”, que segundo Ariès (2006) ocorreu no século XVII, tornando possível um discurso sobre a criança. Passou-se a estudar e pensar a infância, caracterizando-a como inocente, necessitando de cuidado e proteção. Segundo o autor, anteriormente não se concebia a diferença entre adultos e crianças; portanto, não havia a noção de passagem das idades da vida, as crianças ingressavam na vida adulta assim que eram consideradas capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas, aproximadamente aos sete anos de idade. Com a Revolução Industrial e o modo de produção fabril, a família e a escola afastaram a criança da sociedade dos adultos, o que fez com que surgisse esse “sentimento de infância” (ARIÉS, 2006). Houve o advento das famílias, das casas divididas em cômodos, o início da vida privada. A escolaridade tornou-se fundamental para as crianças e os jovens. Devido ao forte vínculo da infância com a escola e a família burguesa, duas principais representações da infância tornaram-se predominantes: de um lado, a infância ingênua e inocente, fonte de paparicação e divertimento; e do outro, o infante como um ser incompleto, desprovido de conhecimento e moral, que precisava ser educado e disciplinado. Dessa forma, foi necessário criar saberes específicos para o cuidado da infância e um aparato de tecnologias e produtos voltados especialmente para essa etapa da vida. Esse novo regime discursivo impulsionou a criação de diferentes artefatos culturais destinados ao controle, “governamento” (FOUCAULT, 1970) e produção dos infantis. É nesse contexto que nasce os brinquedos se tornam objetos voltados para a infância. No século XX, com o avanço da indústria, os fabricantes passaram a produzir brinquedos com distintos materiais e introduziram dispositivos mecânicos e eletrônicos nesses objetos. Nesse momento, os brinquedos receberam uma conotação de produção bastante complexa, através da aplicação de diferentes técnicas e conhecimentos, como a análise do mercado, as expectativas do consumidor, a criatividade, o design das embalagens e acessórios, e os testes em modelos fabricados (BROUGÈRE, 2001). Outro ponto importante foi a crescente visão da criança como uma potencial consumidora (FELIPE, 2003) que impulsionou a oferta de uma gama de produtos voltados para o público infantil. Para Brougère (2001, p. 18): As pressões da propaganda na televisão, a publicidade, assim como os desenhos animados que dão origem aos desenhos animados, que dão origem aos personagens de brinquedos, levam a aumentar, ainda mais, a dimensão expressiva e simbólica do brinquedo, pela qual ele vai se diferenciar de todos os outros. A união do brinquedo com a televisão ganhou força a partir de 1980. As grandes corporações uniram mídia e brinquedo, criando inúmeros artefatos voltados para o lazer das crianças. Essas práticas produziram diferentes discursos que visavam formar o consumidor. Diante disso, os brinquedos industrializados se tornaram uma potencial mercadoria (DORNELLES, 2001, 2008; BROUGÈRE, 2004). Com o intuito de vender mais, as grandes indústrias passaram a unir mídia e brinquedo, fabricando múltiplos bonecos, jogos e fantasias relacionados a filmes ou desenhos da televisão. QUEM É O PREFERIDO DE ANDY? Os brinquedos em Toy Story A trilogia Toy Story iniciou em 1995, com o lançamento do primeiro filme de animação produzido em computação gráfica e teve continuidade em 1999 e em 2010 (BALZADUA, 2010). Os filmes Toy Story não foram criados para repercutir em produtos no mercado, tampouco para homenagear os brinquedos e as grandes corporações. O principal objetivo era testar uma animação de longa metragem totalmente elaborada com imagens digitais (BROUGÈRE, 2004). A história centra-se nos brinquedos animados de Andy, um típico menino branco de classe média norte-americano. Ele tem uma irmã mais nova e parece morar apenas com a mãe, pois o pai não aparece em nenhum momento, nem há referências a ele na trama. Os filmes apresentam o lado do objeto: os brinquedos falam e se movem quando não há adultos e crianças por perto. Também possuem personalidade e seus maiores temores são a substituição e o abandono, pois a razão de ser deles é o pertencimento à criança e o seu uso nas brincadeiras, o momento mais importante para eles (CORSO e CORSO, 2011). Muitos brinquedos do século XX, produzidos por grandes corporações como a Hasbro, Mattel, Lego e Fisher Price são apresentados. Os personagens principais são dois bonecos criados para o filme: Woody e Buzz Lightyear, duas figuras de ação, como são chamados os bonecos voltados para os meninos. Segundo Brougère (2004), surgiram no século em XVII, com os soldadinhos de chumbo e posteriormente representavam os caubóis norte-americanos. Em 1964, a empresa de brinquedos Hasbro, criou os GI Joe, um boneco militar caracterizado com uniformes diferentes, criando uma nova geração de bonecos. Posteriormente à criação dos bonecos GI Joe, com a corrida espacial e o surgimento de diferentes artefatos culturais que representavam a ida do homem ao espaço, os brinquedos espaciais ficaram em destaque (BROUGÈRE, 2004). Com o grande sucesso do filme Guerra nas Estrelas, foram produzidos bonecos dos personagens dos filmes em um tamanho menor às figuras de ação. O grande sucesso desses brinquedos criou um novo padrão para os bonecos de ação em tamanho menor, relacionados à filmes ou programas de televisão.Desde então, foram criados muitos outros bonecos como os Comandos em Ação, Power Ranger, e o mais recente Max Steel (BROUGÈRE, 2004). Woody representa o antigo boneco caubói. O personagem é feito de pano e possui um dispositivo de corda, que emite frases como “Tem uma cobra na minha bota”. Ele é o brinquedo predileto de Andy, estando sempre no centro das brincadeiras como herói. No segundo filme, Woody descobre que é um brinquedo raro e que fora protagonista de um programa de televisão antigo. Além de boneco, foi tema para a criação de muitos brinquedos e produtos voltados para a infância. Buzz Lightyear é um boneco patrulheiro espacial de plástico, repleto de recursos, como luzes, vozes e asas retráteis. Buzz para por um processo de crescimento (CORSO e CORSO, 2011). Inicialmente ele é iludido com a identidade que seus fabricantes lhe deram, acreditando que de fato era um patrulheiro do espaço. Ele conscientiza-se da sua realidade de brinquedo ao assistir na televisão a sua propagando, que enfatizava o fato de ser um brinquedo que não voa. No mundo dos brinquedos, acreditar na identidade original faria o brinquedo perder seu significado: ser o brinquedo de alguém. Outros bonecos/personagens que merecem destaque é Barbie e Ken. A boneca Barbie é a principal representante da modalidade de bonecas manequim (BROUGÉRE, 2004). Foi criada por Ruth Handler inspirada nas brincadeiras com bonecas de sua filha Bárbara e em uma boneca para adultos alemã. Foi apresentada em 1959, em uma feira de brinquedos em Nova Iorque e fez grande sucesso entre as crianças, porém as famílias americanas conservadoras não aprovaram a boneca por sua dimensão sexy. Teve como sua maior inovação a possibilidade das garotas poderem possuir apenas uma boneca, já que estas podiam ter diversas "roupas” (SOUZA, 2009; ROVERI, 2008; STEINBERG, 2004). Steinberg (2004, p. 325) argumenta: Ela era uma modelo adolescente. Garotas deixavam de embalar bonecas bebê para exigir o mais recente da alta costura à la Mattel. A Barbie era sexy, apesar da maioria das suas proprietárias sequer estar preocupada com sua sexualidade – elas apenas amavam as suas Barbies. No terceiro filme, uma boneca Barbie é doada pela irmã de Andy à creche Sunnyside, onde ocorre boa parte da aventura. Ela assume as características esperadas, como a adoração por roupas e seu encantamento por Ken e sua “casa dos sonhos”. Ken possui um vasto figurino, mostrando-se vaidoso e fútil. Ele faz parte do grupo do urso Lotso, que oprime os outros brinquedos da creche. A boneca surpreende no filme por assumir uma postura diversa ao estereótipo da boneca Barbie. Ela abnega a posição confortável junto a Ken, para ficar ao lado dos amigos. Historicamente os bonecos e bonecas fazem parte das brincadeiras infantis e representam o conceito que a sociedade tem da infância (BROUGÈRE, 2001, 2004; BUJES, 2004). São portadores de significados e valores culturais que revelam os discursos, concepções e representações de determinada sociedade e cultura. Tais marcas revestem-se de ricos significados culturais do ideal de beleza, de corpo e de sujeito. Ao elencar determinadas características como “as melhores”, os corpos dos bonecos e bonecas fabricam modos de subjetivação que produzem “verdades” sobre como deve ser o corpo, o comportamento e atitudes normais. Na produção dos bonecos e bonecas, algumas características se sobrepõem a outras, produzindo idéias do que seja o normal e o patológico. Dornelles (2003, p. 4) afirma que: Algumas materialidades se sobrepõem a outras, produzindo certas ‘normalidades’, desse modo, é ‘natural’, no caso do uso de bonecos e bonecas, que os mesmos ao fazerem parte da sala de aula de crianças pequenas sejam da raça branca, com olhos azuis e longos cabelos loiros... Assim, tudo o que escapa ou se apresenta diferente deste ‘modelo de normalidade’, desta ‘verdade’ acerca da raça branca, é o ‘diferente’, o ‘outro’. E este é o tipo de brinquedo consumido em série para crianças no que tange às ‘diferenças’ sejam elas raciais, de gênero, geração ou etnia. Pele branca, cabelos loiros, olhos claros, corpo magro e atlético são as formas vigentes dos bonecos e bonecas industrializados que são oferecidos pelo comércio atualmente e são representados nos filmes Toy Story. Todos aqueles que não apresentam essas características, são considerados diferentes, sendo sua oferta bastante reduzida, são difíceis de serem encontrados, são “menos normais”. Onde está a diversidade nos brinquedos? Pela representação dos brinquedos nos filmes, constata-se a presença de determinadas características e a ausência de outras, reproduzindo as desigualdades que caracterizam a cultura ocidental e, sendo assim, reforçadas. Ao eleger uma estética corporal, uma raça, um gênero ou geração como “a melhor” se naturaliza e generaliza apenas um modo de subjetivação, e tudo o que é diferente dele, torna-se negativo. Isso ocorre também com a produção de bonecos e bonecas, que não devem estar fora da norma vigente. “TODOS ESTÃO BRINCANDO JUNTOS”: os diferentes modos de brincar das crianças Os discursos apresentados pelos filmes mostram um paradoxo de conceitos, sentimentos e atitudes frente aos modos de brincar das crianças. São apresentados múltiplos modos de ser, que buscam educar para a ludicidade. No primeiro filme, são representados dois modos distintos de brincar através dos personagens Andy e Sid. Enquanto Andy cria e usa a imaginação com seus brinquedos sem estragá-los, Sid, seu vizinho, destrói os brinquedos, faz experiências, explode-os, decapita bonecas... Através desses personagens, são apresentados modos de brincar “correto” e “incorreto”. A emergência do sentimento de infância na modernidade ocidental, que por um lado foi vista como ingênua e pura, precisando ser cuidada e vigiada; e por outro, vista como incompleta, necessitada de educação e disciplinada, fez surgir uma série de aparatos destinados ao seu controle e governo. Dentre eles, o brinquedo passou a ser visto como um instrumento pedagógico, e a intervenção nas brincadeiras infantis passou a ser uma prática educativa, além de objeto de estudo do desenvolvimento infantil (DORNELLES, 2010). As duas concepções de infância da modernidade são apresentadas no filme. Enquanto Andy é mostrado como ingênuo, puro e sabe brincar, Sid precisa ser reeducado, pois a criança agitada, agressiva e destruidora está fora da norma. Como sua mãe parece estar “alheia” às peraltices do filho, cabe aos brinquedos ensiná-lo a lição de brincar sem destruir. Outra forma de representação do brincar infantil “correto” e “incorreto” são as brincadeiras das crianças da sala Lagarta e da sala Borboleta na creche Sunnyside. Na sala Borboleta, as crianças mais velhas brincam organizadamente, sem conflitos, os brinquedos adoram estar lá. Já na sala Lagarta, as crianças lambuzam os brinquedos, estragam-nos, disputam, lambem. Os brinquedos não gostam de brincar com essas crianças, sentem medo e querem se mudar para a outra sala. A criança pequena é representada como incompleta, pelo próprio nome da sala, uma lagarta que se tornará uma borboleta quando ficar mais velha, mais educada. O seu brincar é mostrado como desordeiro, fora da norma, que deverá ser moldado, pela família e, neste caso, pela escola infantil. No terceiro filme, Andy, já crescido, brinca com Bonnie, uma menina em idade pré-escolar, mostrando o seu modo de brincar com os brinquedos. Nesta cena, são representados outros modos de brincar das crianças, misturando personagens e dando a eles outros sentidos. Os brinquedos contemporâneos são repletos de história e significados que fazem referência a filmes, games, desenhos da televisão. Eles já vêm de fábrica com personalidade (CORSO e CORSO, 2011; BROUGÈRE, 2004) e isso pode levar a crer que as brincadeiras das crianças de hoje ficariam estereotipadas, presas aos significados dados pelos fabricantes, pois o apelo midiático torna cada vez mais o brincar um produto. Para Brougère (2001, p. 56): A televisão não se opõe à brincadeira, mas alimenta-a, influencia-a, estrutura-a na medida em que a brincadeira não nasceu do nada, mas sim daquilo com que a criança é confrontada. Contudo, as brincadeiras dos personagens Andy e Bonnie ilustram bem os modos de brincar das crianças, misturando os personagens, atribuindo-lhes novas funções. Uma Barbie pode ser enfeada e suja para representar uma moradora de rua, um Max Steel pode se tornar um pai de família. Andy transforma um cofre com formato de porco em um cruel vilão. Bonnie faz de uma boneca de pano, uma bruxa muito malvada. Nas mãos das crianças, os brinquedos são transformados, recortados, colados, torcidos, misturados, corrompidos, tirados de contexto, pois brincar é criar. Apesar do desenvolvimento crescente das novas tecnologias do brincar, as crianças continuarão a significá-las e se constituir através delas, pois são capazes de subverter a ordem, escapar aos condicionamentos e imprimir originalidade em seu brincar, conforme diz Dornelles (2001, p. 103): A criança expressa-se pelo ato lúdico e é através desse ato que a infância carrega consigo as brincadeiras. Elas perpetuam e renovam a cultura infantil, desenvolvendo formas de convivência social modificando-se e recebendo novos conteúdos, a fim de renovar a cada nova geração. Corsaro (2005) defende que as crianças compartilham, negociam e criam cultura junto com seus pares e com os adultos, através de uma reprodução interpretativa. Segundo o autor, a estrutura social está constantemente impondo a internalização de valores e regras sociais através de diferentes práticas. No entanto, as crianças contribuem ativamente para a produção e mudança cultural, reproduzindo a cultura a partir da sua interpretação inovadora e criativa, preservando e ao mesmo tempo transformando a sociedade. CONCLUINDO TEMPORARIAMENTE ESTES ESCRITOS: “ao infinito e além” No campo da educação, muitos estudos enfatizam o brincar como principal atividade da infância visto sob o viés cognitivo e desenvolvimentista (BUJES, 2002). Pouco se reflete e analisa as peculiaridades e significados dos brinquedos na cultura infantil (SANTOMÉ, 2009). A escassez da problematização dessa pedagogia para o consumo no campo da educação acarreta no fortalecimento desta forma de pensar e induzir as crianças ao consumo. É preciso estranhar os efeitos produzidos pelas práticas discursivas na constituição dos sujeitos infantis, que se tecem em práticas culturais. Viu-se que, quanto à representação do brinquedo, estes podem ser entendidos e usados como suporte material para as brincadeiras das crianças, que imprimirão diferentes sentidos a esses objetos, transformando-os. De outro modo, podem ser entendidos também como dispositivo pedagógico de regulação em diferentes esferas sociais. A pedagogia analisada nos filmes ensina para os espectadores formas de ser infantil consideradas corretas. Os infantis são significados como estando em um processo importante de desenvolvimento, que precisa ser conduzido pelos adultos. As brincadeiras das crianças devem ser vigiadas, controladas, para que não saiam da norma vigente do que é aceito como saudável para a infância. As brincadeiras dos personagens Andy, Bonnie e das crianças da sala Borboleta mostram que o “brincar correto” deve ser criativo, tranqüilo, sem estragar os brinquedos. Enquanto o brincar de Sid e das crianças pequenas da sala Lagarta é bagunçado, agitado, destruidor, sem limites, não normatizado, isto é, é um “brincar errado” que deve ser corrigido e educado. O que o filme tão bem representa através dos seus personagens infantes é que, apesar do apelo comercial e publicitário vinculados aos brinquedos, as crianças continuarão mostrando construções novas, resistências, novas possibilidades de ser sujeito infantil na contemporaneidade. Bibliografia REFERÊNCIAS ARIÈS, p. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 2006. BALZADUA, B. Pixarpedia: a complete guide to the world of Pixar... and beyond! London: Dorling Kindersley Limited, 2010. BROUGÈRE, G. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 2001. _____. Brinquedos e Companhia. São Paulo: Cortez, 2004. BUJES, M. I. Infâncias e Maquinarias. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. 286p. _____. Criança e Brinquedo: feitos um para o outro? In: COSTA, M. V. VEIGA-NETO, Alfredo [et al.]. Estudos Culturais em Educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema... Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. CORSARO, W. A. The Sociology of Childhood. Indiana University: Pine Forge Press, 2005. CORSO, D. CORSO, M. A Psicanálise na Terra do Nunca. Porto Alegre: Artmed, 2011 DORNELLES, L. V. Infâncias que nos escapam: da criança na rua à criança cyber. Petrópolis: Vozes, 2008 _____. Na escola infantil todo mundo brinca se você brinca. In: KAERCHER, G. E. CRAIDY (org.) Educação Infantil: pra que te quero? Porto alegre: Artmed, 2001. _____. O brinquedo e a Produção do Sujeito Infantil. Centro de Documentação e Informação sobre a Criança. Universidade do Minho. Instituto de Estudos da Criança. 2003. Disponível em: Acesso em: 03 de dez. de 2010. _____. Tu não podes ser princesa: corpos, brinquedos e subjetividades. In: Ana Paula Brandão e Azoilde Loretto da Trindade. (Org.). Saberes e Fazeres: Modos de Brincar. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2010 FELIPE, J. Erotização dos Corpos Infantis. In: LOURO, Guacira; NECKEL, Jane; GOELLNER, Silvana. Corpo, Gênero e Sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003. FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1970. 295p. GIROUX, H. A. Praticando Estudos Culturais nas Faculdades de Educação. In: SILVA, T. T. Alienígenas na Sala de Aula: Uma Introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 2009. _____. Os filmes da Disney são bons para seus filhos? IN: STEINBERG, S. R. KINCHELOE, J. L. Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. ROVERI, F. T. Barbie – Tudo o que você quer ser... ou considerações sobre a educação de meninas. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, 2008. SANTOMÉ, J. T. Culturas Negadas e Silenciadas no Currículo. In: SILVA, T. T. Alienígenas na Sala de Aula: Uma Introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 2009. SOUZA, F. M. Revirando Malas: entre histórias de bonecas e crianças. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. STEINBERG, S. R. A mimada que tem tudo. IN: STEINBERG, S. R. KINCHELOE, J. L. Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. _____. KINCHELOE, J. L. Sem Segredos: cultura infantil, saturação de informação e infância pós-moderna. IN: STEINBERG, S. R. KINCHELOE, J. L. Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. Publicado em 10/01/2012 11:25:00 Currículo(s) do(s) autor(es) Michelle Brugnera Cruz - (clique no nome para enviar um e-mail ao autor) - Licenciada em Pedagogia - FAPA Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica - FAPA Professora de anos iniciais da rede municipal de ensino de Porto Alegre

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Método e Controle

COMPROMETIMENTO, MÉTODO E CONTROLE: A LIÇÃO DE BENJAMIN FRANKLIN GESTÃO DO TEMPO Benjamin Franklin, inventor, estadista, escritor, editor...