quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Família e aprendizagem

VARIÁVEIS DO AMBIENTE FAMILIAR E APRENDIZADO Cláudia de Oliveira da Silva Sumário Orientação da professora Ms Maria Aparecida de Souza Silva RESUMO Numa abordagem em que as teorias da aprendizagem, associadas à aquisição de habilidades necessárias às crianças que apresentam alguma dificuldade de aprendizagem advinda de conflitos emocionais internalizados pela estrutura familiar do século XXI, o presente trabalho tem por objetivo principal analisar alguns fatores dificultadores da aprendizagem no âmbito familiar e escolar. Sobre esse fenômeno, fez-se um estudo de caso, envolvendo um estudante do 2º ano do ensino fundamental, em situação de ensino-aprendizagem, estudante de uma escola particular da região do Vale do Aço. O estudo busca um olhar psicopedagógico para o problema de aprendizagem evidenciado pelos aspectos familiares e pedagógicos, bem como o surgimento destes como possíveis fatores do “aprisionamento da inteligência”. A pesquisa baseou-se em conceituados teóricos, tais como os propostos por Ausubel (1982) e Fernandez (1991) e, em especial, os que tratam do papel da família e da escola na aprendizagem escolar, como Boechat (2003) e Pereira (1995). Palavras-chave: Dificuldade de aprendizagem; Conflito emocional; Aspectos familiares e pedagógicos. 1-INTRODUÇÃO Dificuldade de aprendizagem é um problema complexo, cujas causas envolvem aspectos socioculturais, pedagógicos, cognitivos e psicodinâmicos. A questão da dinâmica familiar é uma dos principais focos de estudo quando se trata de problemas na aprendizagem, em especial, no que se refere à dificuldade da criança para realizar suas atividades com maior autonomia. Analisando a estrutura familiar do século XXI, percebe-se a existência de uma crise de valores éticos, morais e sociais sem precedentes, o que reflete na escola. É no ambiente escolar que as tensões e os impactos das transformações da sociedade e da família se manifestam com maior evidência. A família transfere a responsabilidade do desenvolvimento moral para a escola ao relegar para a instituição os ensinamentos ou regras que deveriam ser construídos entre si. Diante disso, as crianças e jovens chegam despreparados e desorganizados no contexto escolar. Com muita frequência, ocorrem reflexões e discussões sobre a falta de “limites” das crianças e jovens, dificuldades de aprendizagem e desorientação quanto à autonomia da rotina escolar e relacionamentos. Desrespeito em sala de aula, desmotivação dos alunos, evasão escolar e autoestima baixa são alguns aspectos pertinentes à falta da família na vida do educando. Tais aspectos podem fazer com o aluno não consiga alcançar os objetivos esperados no processo de aprendizagem. Outro fator a ser considerado, também neste cenário atual, são professores cansados, e, muitas vezes, doentes, física e mentalmente devido ao estresse e responsabilidades cada vez mais outorgadas. Os pais estão deixando com a escola cada vez mais a função de educar, sendo que o papel da escola e dos professores é a educação sistematizada. Tiba (2006) colocou muito bem a questão ao escrever que há pais que querem mudar as regras da escola para que seus filhos não fiquem contrariados. Não há como desconsiderar o quanto os acontecimentos atuais estão relacionados com a acelerada mudança na sociedade vigente. A sociedade, mergulhada numa avalanche de exigências, ainda caminha de forma intrépida para atender às novas demandas sociais que impactam diretamente nas instituições familiares e escolares. Uma das mudanças mais significativas que ocorre atualmente é maneira como a família se encontra organizada. Não existe mais aquele modelo de família constituída de pai, mãe e filhos. Hoje, existem famílias dentro de famílias. Com separações, novos casamentos e, por conseguinte, novas maneiras de se educar os filhos. Outra mudança que vem acontecendo desde a era da industrialização e vem ganhando destaque na atualidade é a reorganização do papel da mulher na sociedade contemporânea. Ao entrar para o mercado competitivo, a mulher, consequentemente, perdeu seu lugar de dona de casa e mãe para assumir outros papéis na sociedade vigente. Nesse contexto, vale ressaltar que essas mudanças no papel da mulher podem afetar o desenvolvimento escolar de algumas crianças pela falta de segurança. Diante desse patamar de grandes mudanças sociais que diretamente impactam a reorganização familiar, é oportuno e necessário realizar estudos sobre a relação familiar e aprendizado. É nesse sentido que este trabalho visa analisar, através por meio de um estudo de caso, a vida escolar de um aluno do 2ºano do ensino Fundamental que tem demonstrado dificuldade de aprendizagem de leitura e escrita durante o processo escolar. O contexto familiar dessa criança pode ser caracterizado como o descrito acima, ou seja, a mãe se ocupa e prioriza o trabalho, deixando para o pai a função de acompanhar a vida escolar da criança. Em relação à dificuldade de aprendizagem da criança em estudo, podem-se levantar algumas hipóteses sobre o fato. A mãe é presente na escola, mas não é presente no contexto familiar da forma como o filho espera. Pressupõe-se que a dificuldade de aprendizagem apresentada pela criança seja um sintoma que representa uma relação simbiótica entre mãe e filho. A criança em estudo utiliza a não aprendizagem para ter a presença da mãe na escola sempre que chamada, já que é assim que obtém a sua atenção. Dessa forma, ao demonstrar dificuldade de aprendizagem, a mãe seria chamada à escola para ajudar o filho que usaria desse instrumento sempre que possível. Então, se tem o problema de aprendizagem como ação instrumentalizadora para trazer a mãe ou a família para perto dessa criança. Cumpre-se, assim, o papel familiar esperado pelo aluno, que é ter a família por perto. A análise busca um olhar psicopedagógico para o problema de aprendizagem evidenciado pelos aspectos familiares e pedagógicos, bem como o surgimento destes como possíveis fatores do “aprisionamento da inteligência” (FERNANDEZ, 1991). 2 PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM Investigar sobre os problemas de aprendizagem é buscar auxílio para entender e ajudar o aluno que se encontra à margem do processo escolar, ou seja, a criança que se encontra em situação de fracasso na escola. Segundo Fernandez (1991), o fracasso escolar tem a ver com a estrutura familiar tanto interna quanto externa do indivíduo. Numa abordagem original e curiosa, a autora descreve de que forma os fatores que interferem na aprendizagem do aluno refletem constantemente as questões internas (cognitiva, psicomotora e afetiva) e externas (escola, família) e atingem o processo de construção do conhecimento. Assim, Fernandez (1991), descreve formas possíveis de manifestação do problema de aprendizagem denominadas: sintoma, inibição cognitiva e dificuldade de dificuldade reativa. Relacionados à causa externa, o problema de aprendizagem pode ser chamado de reativo, enquanto que os problemas de aprendizagem decorrentes das causas internas podem ser denominados sintomas ou inibição. A diferença entre sintoma e problema de aprendizagem reativo está na forma ou no contexto de se articular a aprendizagem. O problema reativo afeta o aprender do sujeito, sem atrapalhar sua inteligência. Geralmente, o não aprendiz não requer tratamento psicopedagógico. O cuidado maior com esse problema é que ele pode ser o maior gerador da evasão escolar. Diz Pain que “a função da educação pode ser alienante ou libertadora, dependendo de como for usada, quer dizer, a educação como tal não é culpada de uma coisa ou de outra, mas a forma como se instrumente esta educação pode ter efeito alienante ou libertador”. (PAIN, 1992, p.12) Data não confere em Referências. Já o sintoma, afeta a dinâmica de articulação entre os níveis de desejo, inteligência, o organismo e o corpo, fazendo com que ocorra um aprisionamento da inteligência e da corporeidade. Nesse caso, será necessário um tratamento psicopedagógico que busque libertar a inteligência. Fernandez (op. cit.) demonstra a importância de que, ao falarmos de sintoma, estamos falando de algo que tem a ver com símbolo ou signos cuja relação entre significante – significado é menos arbitrária, legalizando-se individualmente. A autora reforça ainda que sintoma é o retorno do reprimido, um disfarce. No sintoma de aprendizagem, a mensagem está encapsulada e a inteligência “atrapada”. A criança renuncia ao aprender, ou aprende perturbadamente, o que marca a construção de seu conhecimento e de seu corpo. Corroborando com Fernandez (1991), Gagné (1974) diz que os acontecimentos vividos pelos sujeitos aprendentes, em sua casa, em seu meio social, na escola, contribuirão para o que ele vai aprender e de que modo ele vai aprender. Logo, é através da forma com que o sujeito constrói e internaliza relações que será construída sua forma de aprendizagem. Este fato nos dá ideia da complexidade da concepção da aprendizagem, como derivado de vários fatores internos e externos ao sujeito. 2.1 Aprendizado e Ambiente Familiar: Uma análise sobre essa relação Atualmente, é possível observar, nas salas de aula, uma grande parcela de alunos que passam pelo início da vida escolar com alguma dificuldade e até mesmo angústia. As crianças se sentem convocadas a responder exigências de competência e responsabilidades, através das tarefas escolares, compartilhando da visão social que a família deseja manter perante a sociedade (ELGUER, 1985). A família e a criança se veem na constante tentativa de responder à cobrança social de perfeição, de aprendizado completo e rápido. Tal contexto acaba interferindo diretamente, tanto na vivência da criança na escola quanto na vivência familiar. A queda no aprendizado é quase que uma resposta imediata. A criança constrói uma atitude diante da possibilidade de conhecimento a partir de como a relação com o conhecimento é vivida pela família (SOUZA, 1995). Na aprendizagem, é possível observar que fatores orgânicos, psicológicos e ambientais interferem no rendimento do aluno. Destaca-se, portanto o papel da família no bom desenvolvimento e relação da criança com as questões escolares (WEISS, 2003). As experiências dentro da família ditam, em grande parte, como a criança enfrenta o sucesso e o insucesso. É preciso, portanto, compreender que o fracasso escolar e as dificuldades de aprendizagem não podem se explicar somente centrando-se no aluno (COLELLO, 2001). Uma visão ampla sobre a vivência familiar deste indivíduo se faz necessária e precisa diante das dificuldades escolares. Diante do exposto, identifica-se que a parceria entre família e escola é fundamental para o desenvolvimento integral da criança, pois, somente assim, num trabalho conjunto, poderá ocorrer uma educação de qualidade que contemplará as necessidades dos educandos e educadores. Aprender é uma atividade desejante construída sob a legitimidade de uma relação familiar saudável e segura. A aprendizagem, ganha significado dentro do contexto familiar e social, ainda que a apropriação dos conteúdos seja individual (FERNANDEZ, 1991). Acredita-se que o ambiente familiar estável e afetivo contribua positivamente para o bom desempenho da criança na escola, embora não garanta seu sucesso, uma vez que depende de outros fatores que não exclusivamente os familiares. Tais pressupostos permitem afirmar que o processo de desenvolvimento do indivíduo, bem como sua aprendizagem, sofre influência direta das mudanças ocorridas na estrutura social. Ao modificar as relações do homem com o trabalho, a partir de novos instrumentos e novas condições impostas pela indústria de consumo, transformam-se também as relações entre os indivíduos, afetando, sobremaneira, a estrutura e dinâmica familiar que compõe o tecido social ao trazer para a aprendizagem falhas e medos causados pela baixa estima. Correlacionados com os fatos apontados acima têm-se, ainda, os conflitos emocionais que impedem o aluno de se localizar como agente receptivo de informações que promovem algum perfil a ser conduzido, transformado ou copiado. Ao refletirmos sobre tais aspectos da dinâmica familiar, pensamos sempre em um modelo tradicional e triangular de família, ou seja, composto por pai-mãe-filho, enquanto, cada vez mais, na contemporaneidade, deparamo-nos com outros modelos, especialmente as chamadas "famílias monoparentais". Por tal razão, nos dias atuais, o professor não pode restringir a sua escuta a uma única forma de composição e de dinâmica familiar e, portanto, precisa estar atento às novas configurações de família, de modo a facilitar a compreensão das particularidades de seu funcionamento e seus reflexos no desenvolvimento das aprendizagens da criança. 2.2 DESEJO DE APRENDER O desejo de aprender nas salas de aula vem seguido da motivação do sujeito-aluno, e este fator faz com que os professores procurem propostas cada vez mais atrativas para despertar nos alunos a vontade ou o desejo da aprendizagem sistematizada que é o objetivo principal da instituição escolar. Ao modificar suas atitudes enquanto docente o professor fará com que os alunos aprendam. Mas para isso ele precisa acreditar que seus alunos podem aprender (FERNANDEZ, 1991). Portanto o desejo de aprender é algo que pode ser produzido no sujeito aprendente, por alguém com alguma intencionalidade. Logo, o professor poderá ser essa pessoa com a intencionalidade consciente de produzir o desejo de aprender, a partir do seu próprio desejo de aprender e ensinar. Temos assim dois desejos: o de aprender e o de ensinar. Contudo, é de suma importância a percepção sobre o papel da família na formação do educando. Tal percepção deve ser reorganizada de forma que a aprendizagem se concretize e o perfil proposto se transforme. O estímulo familiar é um dos pressupostos mais importantes para a formação do ser humano com agente transformador de seu meio. E todo estímulo vem acoplado pela troca de afetividade, compromisso, ensinamento e perfil a ser seguido. A família necessita rever seu papel como fonte principal da estrutura emocional de seus filhos. 2.4 O papel do psicopedagogo como mediador da aprendizagem na escola Buscando melhor compreensão sobre a aprendizagem, podemos dizer que, desde o momento em que nascemos, iniciamos o processo de aprendizagem. Nesse processo, o ser humano constrói sua estrutura de personalidade na teia das relações sociais na qual está inserido. Para Scoz (2006, p.2), o princípio norteador da Psicopedagogia é a integração entre a objetividade e a subjetividade nos processos de ensino e aprendizagem. Os conhecimentos da Psicopedagogia nos permitem compreender a integração entre construção do conhecimento por parte do sujeito (sujeito epistêmico) e a constituição do sujeito pelo conhecimento – seu desejo, sua história sua singularidade (sujeito desejante ou desiderativo). Vemos, assim, que aprendizagem vai ocorrendo na estimulação do ambiente sobre o indivíduo, em que, diante de uma situação/problema, se exprime com uma mudança de comportamento, recebendo interferência de vários fatores – intelectual, psicomotor, físico, social e emocional. Enquanto transforma a realidade a sua volta, ele se constrói como sujeito, tecendo sua rede de saberes, a partir da qual irá interagir com o meio social, determinando suas ações, reações, relações, enfim suas práticas sociais (VYGOTSKI, 1984). Quando nasce, o indivíduo faz parte de uma instituição social organizada – a família - e depois, ao longo da vida, é inserido em outras instituições. Nessa interação, vai se construindo uma rede sociocultural em que todos os membros da sociedade são parceiros possíveis, contribuindo cada um com seus conhecimentos, suas práticas, valores e crenças. Essas contribuições são mutáveis de acordo com o meio e interesse do indivíduo. Portanto, o conceito de rede de saberes constrói-se a partir do princípio de movimento, interação e de troca de responsabilidades. Nossa gama de conhecimentos vai se formando dentro de instituições e assim cada vez mais é necessário inserir a Psicopedagogia para estudar como ocorrem as relações interpessoais nesses ambientes. Além da Escola, a Psicopedagogia está cada vez mais presente nos hospitais e empresas. Seu papel é analisar e assinalar os fatores que favorecem, intervêm ou prejudicam uma boa aprendizagem em uma instituição. Propõe e auxilia no desenvolvimento de projetos favoráveis às mudanças educacionais, visando evitar processos que conduzam as dificuldades da construção do conhecimento. O psicopedagogo é o profissional indicado para assessorar e esclarecer a escola a respeito de diversos aspectos do processo de ensino-aprendizagem e tem uma atuação preventiva. Na escola, o psicopedagogo poderá contribuir para o esclarecimento de dificuldades de aprendizagem que não têm como causa apenas problemas de ordem interna ao aluno, mas que são consequências de problemas escolares, tais como: organização da instituição, métodos de ensino, relação professor e aluno dentre outros (VILABOL, 2012). O psicopedagogo usa a avaliação psicopedagógica como instrumento de investigação do processo de aprendizagem do indivíduo, buscando entender a origem da dificuldade e/ou distúrbio apresentado. Assim, a avaliação acompanha todo o processo de construção do desenvolvimento do ser humano, ligado ao processo de ensino-aprendizagem. O diagnóstico inclui entrevistas, análise de materiais escolares e sociais, aplicação de diferentes modalidades de atividades, testes de competências e dificuldades, atividades matemáticas, leitura, escrita, desenhos, jogos de níveis psicológicos. A avaliação vem diferenciar os aspectos que não são ressaltados e diagnosticar as limitações, conscientizando as necessidades precisas para uma nova identificação no desenvolver. Portanto, a avaliação identifica as possibilidades, limitações, conquistas e integração do ser humano no mundo através de suas reais facilidades e competências. 3 - ESTUDO DE CASO O estudo de caso é um tipo de pesquisa qualitativa que vem ganhando crescentes adeptos dentre os estudiosos, principalmente na área educacional. É uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente. Pode ser caracterizado como um estudo de uma entidade bem definida, como um programa, uma instituição, um sistema educativo, uma pessoa ou uma unidade social. Visa conhecer o seu “como” e os seus “porquês”, evidenciando a sua unidade e identidade própria. É uma investigação que se assume como particularística, debruçando-se sobre uma situação especí?ca, procurando descobrir o que há nela de mais essencial e característico (VILABOL, 2012). Como trabalhos de investigação, os estudos de caso podem ser essencialmente exploratórios, servindo para obter informação preliminar acerca do respectivo objeto de interesse. Podem ser fundamentalmente descritivos, tendo como propósito essencial descrever como é o caso em estudo. E podem ser analíticos, procurando problematizar o seu objeto, construir ou desenvolver nova teoria ou confrontá-la com a teoria já existente. Um trabalho exploratório pode ser necessário como um estudo piloto de uma investigação em larga escala. Um estudo descritivo pode ser necessário para preparar um programa de intervenção. Mas são os estudos de cunho mais analítico, que podem proporcionar avanço mais signi?cativo do conhecimento (VILABOL, 2012). 3.1 Contextualização O presente trabalho trata-se de um estudo de caso do tipo analítico sobre uma criança que foi aluna da pesquisadora, no ano de 2011, no 1º ano do ensino fundamental. Na época, apresentava um quadro de dificuldade de aprendizagem e concentração. Apresentava ainda dificuldades para aceitar regras e limites e, algumas vezes, demonstrava comportamento impulsivo, agressivo e antissocial. Os pais relataram para a professora que tinham dificuldades para lidar com os limites da criança para aprender e que necessitavam de tempo para acompanhar o filho. A família alegava ainda não ter tempo para o convíviocom a criança, de modo a favorecer algumas trocas de afetividades e modelos. Esse fato é fundamental para o caso em questão, já que a criança estuda em tempo integral e o contato com os um dos pais é muito pouco. Portanto, passa o turno matutino e vespertino na escola e os pais ocupados com o trabalho. Além disso, o pai estuda à noite. No ano de 2012, dando prosseguimento aos estudos, o aluno está no 2º ano do ensino fundamental sob a responsabilidade de outra professora, apresentando os mesmos problemas. Diante desse quadro, a pesquisadora decidiu fazer o estudo de caso dessa criança para melhor compreender as origens do não aprender. Para iniciar o estudo de caso, foram resgatados os registros do ano anterior e aplicadas algumas instrumentos diagnósticos da psicopedagogia como: anamnese com os pais; entrevista com professores; observações da criança; desenhos projetivos; Eoca; a hora do jogo. 3.2 Antecedentes do caso Nos registros de reuniões com os pais, realizadas no ano de 2011, foram encontrados relatos da família, da professora e da coordenadora pedagógica sobre o desenvolvimento e o comportamento do aluno. De acordo com os registros, identifica-se que a criança já apresentava agressividade física com os colegas, tristeza, baixo desempenho escolar, dificuldade de se relacionar com as crianças de sua idade, buscando sempre andar em companhia de alunos mais velhos. Segundo a coordenação da escola, o aluno apresentava traços de insegurança e imaturidade quando estava perto da professora. Apresentava, ainda, desorganização com os materiais escolares, perdendo-os frequentemente. Segundo os relatos da mãe, “os momentos que tem com os filhos são de qualidade e procura fazer tudo para os filhos, principalmente para o mais novo que é o bebê da casa”. Disse ainda que esses momentos geralmente são no horário do café da manhã, já que ela trabalha todos os dias da semana e nos finais de semana, inclusive à noite. Sobre a relação familiar, a mãe relatou que o pai é quem tem mais contato com os filhos, mas este também estuda à noite, porém passa os finais de semana com os filhos. Segundo a mãe, em casa, o filho ainda necessita da presença de alguém para realizar atividades como ir sozinho ao banheiro, tomar banho, organizar brinquedos. Por fim, a mãe disse que não sabe mais o que fazer, já que sempre reorganiza sua agenda para dar apoio e comparecer às reuniões marcadas pela escola e, sempre que possível ou quando há um feriado prolongado, leva os filhos em viagem com ela quando necessita trabalhar nesses dias. Como professora dessa criança no ano de 2011, a pesquisadora pode perceber que o aluno buscava atenção da professora e dos colegas para si, através de comportamentos inadequados como correr dentro da sala, espalhar brinquedos, gritar quando a turma estava em silêncio, imitar a professora e bater nos colegas. Demonstrava ainda dificuldade de leitura e escrita até do nome. Resistia às regras e limites, necessitava de materiais concretos para realizar atividades simples que requeriam o raciocínio lógico matemático. Às vezes, ficava entusiasmado demais com atividades lúdicas e participava dos jogos, porém se “esquecia” dos combinados, causando desentendimentos. O aluno demonstrava impaciência com as atividades propostas, e comportamento antissocial. Ainda provocava conflitos e irritava os colegas. A criança a qual daremos o nome fictício de Marcos, foi acompanhada pela escola ao longo do ano de 2011 e, por várias vezes em encontros da professora com a família, identificou-se que não houve melhorias no comportamento apresentado pela criança. O aluno continuava sem capricho, sem organização com materiais escolares e coletivos, faltava-lhe interesse e imaginação com as atividades propostas. Diante das atividades pedagógicas se expressava quase sempre dizendo: “não sei, não consigo”. Entretanto, ao final do ano, foi observada uma melhora significativa quanto à cópia do quadro. Percebeu-se, em alguns momentos, comportamento depressivo advindo da criança e uma fala infantilizada, principalmente após feriados prolongados. 3.3 Percursos metodológicos da pesquisa Em 2012, ao dar início ao estudo de caso, a pesquisadora aplicou algumas técnicas psicopedagógicas para diagnosticar o caso. Realizou-se a anamnese com os pais. Durante a entrevista, detectou-se que não houve alteração significativa do quadro descrito anteriormente. A mãe parece negar a realidade em relação ao filho, em relação ao seu papel como mãe, porque de alguma forma isso afeta sua vida profissional. Conforme fala da mãe “a gravidez não foi planejada e a criança veio em um momento muito delicado de sua vida profissional”. O filho parece ter vindo num momento de grande investimento da mãe na vida profissional, portanto não teria tempo para os cuidados necessários. A mãe relatou ainda que o primeiro filho nunca “deu trabalho” na escola e não entendia o motivo das queixas dos professores. Também foi realizada uma entrevista com a atual professora de Marcos. A professora relatou que o aluno apresenta um comportamento disperso, evasivo, muitas vezes sem atitude, necessitando muito de supervisão e acompanhamento para concluir as atividades propostas. Brinca com objetos escolares, morde objetos e é desorganizado com os cadernos e livros. Segundo a professora, ao ser dado um comando ou enunciado de atividade, é necessário que o mesmo seja repetido por muitas vezes. Marcos sempre necessita de um tempo maior para realizar as atividades simples de cópia do quadro e elaborar respostas para exercícios. Apresenta dificuldade para leitura de palavras com sílabas travadas e às vezes demonstra não ouvir o que é falado. Ainda segundo a professora, Marcos está precisando de acompanhamento sistematizado para sanar as dificuldades afetivas e cognitivas. Em reunião da professora com os pais, a família relatou que no ano passado a criança fez acompanhamento com psicóloga, mas foi interrompido devido ao fato de não ter uma pessoa para levá-lo às sessões. A família se prontificou a fazer o “necessário e possível” para o que o filho se desenvolva satisfatoriamente, neste ano. Foi aplicado o teste projetivo “A família como animais”. O teste tem o objetivo de avaliar como se dá o relacionamento da família como um todo e também em suas diferentes partes. Foi solicitado à criança que imaginasse sua família normalmente. Logo depois, solicitou-se que essa família se transformasse em animais. E, então foi pedido a Marcos que desenhasse como ele idealizou a família e que relações ele tinha com os animais desenhados. Também foi realizada uma sessão específica para a Eoca – (Entrevista operatória centrada na aprendizagem). Os materiais utilizados foram folhas de papel, lápis, apontador, régua, lápis de cor, canetinhas hidro cor, cola tesoura, livros, massinha colorida jogos pedagógicos. 4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Durante a anamnese, verificou se que a mãe é presente na escola, comparece sempre que chamada às reuniões e se dispõe a realizar os trabalhos em conjunto com a escola. Porém, em casa, percebe-se uma ausência física que pode se revelar também em uma ausência da função de mãe. O que nos chama atenção é como se dá internalização dessa ausência pela criança e como o fator age em seu modo de aprender. Weiss (2003).nos ajuda a compreender esse fenômeno quando afirma que as experiências dentro da família ditam, em grande parte, como a criança enfrenta o sucesso e o insucesso. Na escola, o aluno apresenta um quadro de dificuldade de aprendizagem e concentração. Apresenta, ainda, dificuldades para aceitar regras e limites e algumas vezes demonstra comportamento impulsivo, agressivo e antissocial. Marcos usa a falta de interesse na aprendizagem como um disfarce para algo que o incomoda. Corroborando com essa afirmativa, Fernandez (1991) mostra que sintoma é o retorno do reprimido, um disfarce. No sintoma de aprendizagem, a mensagem está encapsulada e a inteligência “atrapada”. A criança renuncia ao aprender, ou aprende perturbadamente, o que marca a construção de seu conhecimento e de seu corpo. Quando utilizamos instrumento de representação subjetiva, percebe-se que o sujeito teve que usar mais a razão do que a intenção. No teste projetivo, “A família como animais” a criança em estudo desenhou dois retângulos que poderiam representar dois ambientes. No primeiro, representou o pai como um rato, o irmão como um cachorro, e ele como um jacaré. No segundo, separada e distante dos demais membros da família, representou a mãe como um sapo. Ao perguntar sobre o que representava para ele cada animal, ele disse que o cachorro e o jacaré “eram legais”, e do rato e do sapo, ele afirmou que “tinha medo”. Pelo desenho, pode-se identificar que a criança se projeta maior que os demais membros da família. Esse fato revela que essa criança é egocêntrica, corroborando com o que foi identificado nas entrevistas com a família e pela pesquisadora quando professora do aluno. O desenho revela uma proximidade maior com o pai e um distanciamento com a mãe. A falta de desejo de aprender está ligada à relação simbiótica que procura manter com a mãe, pois aprender significar crescer e durante o estudo do caso identifica-se que a família o coloca na condição de bebê quando, por exemplo, a mãe afirma que ele “é o bebê da casa”. Freud (1920) mostrou, dentre suas várias contribuições, que a vida emocional do ser humano tem seus fundamentos enraizados na infância e os pais exercem, no mundo emocional de seus filhos, influências tanto benéficas quanto maléficas. Portanto, a subjetividade se constrói na relação com o outro, no campo do humano, dos afetos, das paixões, primeiramente dentro de uma instituição à qual denominamos família. Logo, é através das interações iniciais do bebê com sua mãe e do valor afetivo desse vínculo que se moldará a relação entre o indivíduo e a sociedade. Dessa forma, as mudanças atuais na constituição e no funcionamento familiar irão necessariamente implicar mudanças na subjetividade das pessoas. Na EOCA, os materiais foram expostos no chão e apresentados à criança. Foi dito a ela que poderia utilizar o material para brincar como quisesse. A criança ficou alguns instantes olhando o material. Após alguns segundos, perguntou: “-Posso pegar a massinha? Tornei a repetir o comando: Você pode brincar com o que quiser do jeito que quiser. Marcos pegou uma massinha marrom e ficou alguns minutos amassando-a. Após esse tempo, foi lhe perguntado o que estava criando e a criança respondeu: “Nada ainda”. Cerca de 20 minutos surgiu o que Marcos denominou de “a escultura de um homem” feita de bolinhas e palitinhos de massinha. Deixou a massinha de lado, olhou o restante do material, mexeu em tudo sem interesse. Iniciou uma atividade e parou, ficando apenas na exploração dos objetos, sem demonstrar interesse e concentração. A criança não pegou nos jogos, tampouco nos livros. Foi oferecido o livro de contos clássicos para leitura e Marcos disse não saber ler. Então, foi iniciada a leitura pela pesquisadora e, posteriormente, a criança foi incentivada a dar prosseguimento. Marcos realizou a leitura de forma lenta, insegura e silábica. Durante a EOCA, foi identificado que essa criança apresenta atitudes de insegurança, falta de criatividade e iniciativa. Sobre os objetos escolares, ele disse gostar de massinha. Quando foi perguntado sobre os livros disse que não gostava muito. O que gosta na escola “é brincar e informática”. Tais atitudes revelam que o conhecimento depende significativamente de como cada um processa suas experiências, principalmente no campo emocional. Se a criança se sente apoiada, incentivada, ela explorará novas situações, novos limites, se exporá a novas buscas. Se, pelo contrário, se sente rejeitada, poderá reagir com apatia, insegurança, rigidez, fechando-se defensivamente diante do mundo, não explorando novas situações. Constata-se que a dificuldade de aprendizagem não pode ser focada apenas no aluno (COLELLO, 2001). 5. Conclusão Para que a criança aprenda, é preciso que apresente também condições subjetivas (BOSSA,2000). Fica claro que mediante as dificuldades de aprendizagem apresentadas pelo aluno, é necessário descentralizar a culpa do indivíduo e observar seu contexto de vivências. A família molda na criança seus significados, suas percepções. O indivíduo necessita da presença apoiadora da família para firmar seus passos. Sabemos que a sociedade atual constrói famílias sem tempo para convivências mais intimas, sem apoio, sem diálogo. É preciso, portanto, resgatar o valor da unidade porque fica evidenciado o papel importante e fundamental que o contexto familiar tem acerca do contexto escolar. De acordo com todo procedimento pelo qual a criança em estudo passou, foi percebido que ela necessita de mais autonomia em suas escolhas. Ter maior responsabilização no que tange a seus afazeres diários, como organização dos materiais escolares, brinquedos, dos horários e também dos seus atos. Esses fatores podem estar relacionados com seu desejo de buscar companhia das crianças mais velhas nas quais se sente mais protegido e menos cobrado, o que pode explicar as queixas dos pais e da escola: insegurança, imaturidade, conflitos com crianças de sua faixa etária. Em relação aos dados obtidos, pode-se concluir ainda que a criança, de acordo com os professores, apresenta no contexto escolar dificuldades para aprender os conteúdos necessários para o ano em que se encontra. Dispersa com facilidade mediante os comandos. Apresenta alguns traços de impulsividade, e comportamento antissocial. Finalmente, os resultados deste estudo reforçam a importância do papel da família e do ambiente em geral em proporcionar condições que estimulem o desenvolvimento infantil, ficando evidente a relevância de realização de trabalhos junto às famílias com o objetivo de ajudá-las a estruturar, a organizar e a enriquecer o ambiente de desenvolvimento da criança, muitas vezes, utilizando recursos já existentes. Bibliografia REFERÊNCIAS BOECHAT, Ivone. A família no Século XXI. 2ª ed. Rio de Janeiro: Reproarte, 2003. BOSSA, Nadia A. A Psicopedagogia no Brasil: Contribuições a partir da prática. Porto Alegre. Artes Medicas Sul, 2000. COLELLO, S. M. G. . A formação de professores na perspectiva do fracasso escolar (2001). In VI Congresso estadual paulista sobre formação de educadores: desafios e perspectivas para o século XXI. Águas de Lindóia. Acesso em dezembro 19, 2003, disponível em http://www.fe.usp.br/psicologia/silvia-escolar.doc EIGUER, A. (1985). Um divã para a família: do modelo grupal à terapia familiar psicanalítica (pp.25-53).Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas,1990. FREUD, S. Além do Princípio do Prazer (1920). Rio de Janeiro: Imago, 1980. GAGNÉ, Robert Millis. Como se realiza a aprendizagem. RJ: Livros Técnicos e Científicos S.A,1974. http://sites.ffclrp.usp.br/paideia/artigos/31/08.htm. Acesso em 27 fevereiro / 2012. PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas ,1986. PEREIRA, P. A. Desafios Contemporâneos para sociedade e a família. In Revista Serviço Social e Sociedade. nº 48, Ano XVI. São Paulo: Cortez, 1995. SCOZ, Beatriz. Por uma Educação com Alma e Objetividade e a Subjetividade nos Processos de ensino/aprendizagem. On-line: Portal da Educação e Saúde Mental em 29.06.2006. Psicopedagogia e realidade escolar. Problema escolar e da aprendizagem. Petrópolis. Ed. Vozes, 2005. SOUZA, A. S. L. Pensando a inibição intelectual: perspectiva psicanalítica e proposta diagnóstica (pp.35-56). São Paulo: Casa do Psicólogo, 1995. TIBA Içami. Disciplina limite na medida certa /novos paradigmas. Editora Integrare, página124, 85ª edição, 2006. VILABOL. Metodologia da Pesquisa .Estudo de Caso. Disponível em Acesso em 29/07/2012. VYGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia Clínica – Uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 13 ed. RJ: Lamparina, 2003. Publicado em 23/10/2012 14:03:00 Currículo(s) do(s) autor(es) Cláudia de Oliveira da Silva - (clique no nome para enviar um e-mail ao autor) - Pós-graduanda em Psicopedagogia, no Centro Universitário no Leste de Minas Gerais/Unileste

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