quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ética

Regras éticas: isso é "coisa" que se ensina?

Coisa” que não se ensina são todas aquelas que, inerentes à espécie, desenvolvem-se pelo instinto. Dessa maneira, não se ensina, por exemplo, uma criança a respirar, a mamar e tudo mais que surgirá em seu processo de desenvolvimento. Quanto ao mais, é essencial que tudo se ensine. Reclama-se muito do fato de os jovens da atualidade não “terem respeito pelos mais velhos” e “não respeitarem nem a si próprios” e protesta-se pela ausência do culto a valores que sempre marcaram as gerações e que, quase de um dia para o outro, parecem ter se perdido. Esses protestos podem ser justos e coerentes, mas, se os valores pelos quais sempre se reclama não são ensinados (e geralmente não o são) e não são produtos instintivos do desenvolvimento humano (e, certamente, também não o são), torna-se necessário e imperioso que eles sejam ensinados pelos pais, pela televisão, pelos amigos, pelo cinema e pela mídia. Contudo, se esses veículos não ensinam ou ensinam mal, cabe à escola e, portanto, aos professores fazê-lo. Mas, fazê-los como? De que forma será possível ensinar regras éticas ou princípios morais sem que esse assunto seja considerado “careta”, pois, por ser visto como “chato”, ele não é apreendido?

É evidente que o ensino de regras éticas não pode ser ministrado como se transmite informações referentes às Capitanias Hereditárias ou qualquer outro tema de um programa escolar, por exemplo. Ensinar regras éticas supondo alunos imobilizados em sua carteira e restritos em seus pensamentos é, efetivamente, perder tempo e garantir que nada do que se mostrou ficará. Assim, um primeiro passo para o ensino de regras éticas é utilizar-se de estratégias de ensino mais vivas e, portanto, dinâmicas, estruturando-as por meio de perguntas intrigantes que propiciem o debate, analisando-as em “estudos de casos” interessantes, extraídos das novelas que se vê, das notícias que os jornais comentam, dos debates que se insurgem ou da polêmica que este ou aquele lance de futebol suscitou. Para o ensino de regras éticas, o professor assume um novo papel, falando menos, interrogando mais, abdicando de sua condição de “senhor da verdade” para posicionar-se como interlocutor que, desafiando idéias, exercita o pensar. Essa discussão não necessita unanimidade nas respostas e jamais busca a padronização das idéias; ela antes busca a inquietação da dúvida e sugere caminhos pessoais na procura.

Estabelecida uma estratégia dinâmica, busca-se o segundo alvo, que é o aluno a quem se ensinará. Pouco importa se este estuda em escola pública ou particular e se o conteúdo chega até ele pela Filosofia, Literatura, Geografia ou História. Nesse item, o que importa é buscar a faixa etária do estudante e, portanto, a identificação de sua maturidade para essas reflexões. Antes dos 12 ou 13 anos — um pouco antes para as meninas — o estudante ainda não aprimorou seus pensamentos abstratos e, por isso, é capaz de “entender” regras éticas, mas é imaturo para, efetivamente, “compreendê-las”. Em outras palavras, pode até ser capaz de enunciá-las, mas dificilmente terá maturidade para transpor o conteúdo refletido para outras situações.

Definida a estratégia de ensino e o aluno para o qual ela se dirige, é essencial que se encontre a oportunidade, isto é, o momento propício para que esse trabalho se desenvolva. Mas é importante que essa oportunidade não surja solta, desvinculada de outros conteúdos que se busca ensinar. O mais interessante é contextualizar o ensino de regras éticas com um tema que se discute, um livro que se leu ou uma ocorrência que, envolvendo as “circunstâncias” dos estudantes, faça-os perceber que as regras éticas não constituem “informação” (que se pode assumir ou não), mas, sim, conhecimento que nos habilita a viver e, sobretudo, conviver.

Percorrido esses passos, chega-se ao último — quais seriam essas regras? Onde buscá-las?

Não existe, felizmente, uma única resposta para essa questão. Regras éticas, princípios morais e valores sociais se apresentam em inúmeros documentos e extraordinários textos, como, por exemplo, um dos últimos livros de Carl Sagan, Bilhões e Bilhões1. Para esse cientista, os padrões mais admirados de comportamento ético, pelo menos no mundo ocidental, poderiam ser definidos por meio de algumas regras, que precisam ser vistas não como tema que se apresenta, mas, sim, como análises do cotidiano. A “regra de ouro” seria: Faças aos outros o que desejas que te façam”; a “regra de prata”: Não faças aos outros o que não desejas que te façam; a ”regra de bronze”: Faças aos outros o que te fazem; e a “regra de ferro”: Faças aos outros o que quiseres, antes que te façam o mesmo.

Trabalhar essas regras, fazer com que sejam percebidas no cotidiano e relembrá-las não como ocorrência que pode “cair” em uma prova, mas como fundamento que a cada instante se apresenta na vida e nas relações humanas, não parece tarefa impossível. Afinal, essas regras éticas não foram inventadas por este ou por aquele legislador humano iluminado; elas provêm de nós mesmos, ou seja, trazemo-las das profundezas de nosso passado evolutivo, em tempos em que nem humanos ainda éramos.

1 SAGAN, Carl. Bilhões e bilhões. Companhia das Letras. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 200-210.

Celso Antunes é professor e psicopedagogo

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