quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Diagnóstico psicopedagógico



O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO
Sandra Maria Cavalcanti Rebel

Sumário

O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO

A qualidade do diagnóstico psicopedagógico dependerá da competência, da habilidade e da sensibilidade do psicopedagogo ao se articular com o seu paciente, com a família, com a escola e outros profissionais. É importante destacar que a investigação sobre o aprender requer uma pesquisa acurada sobre a história de vida do paciente. O psicopedagogo deve se utilizar de uma escuta clínica, valorizando a singularidade do sujeito e desenvolvendo sua autonomia de pensamento. O objetivo principal deste trabalho é promover a análise dos fatores que devem ser considerados para a qualidade do diagnóstico psicopedagógico. Outros objetivos, mais específicos, perpassam o texto, como: definir o objetivo do diagnóstico psicopedagógico, explicar como ocorre o processo do diagnóstico psicopedagógico, descrever os fatores que influenciam no diagnóstico psicopedagógico. Foi observado, ao longo do estudo, que nenhum fator deve se sobrepor a outro durante o diagnóstico psicopedagógico.

Palavras-chave: Diagnóstico. Psicopedagogo. Escuta clínica. Investigação.

1 INTRODUÇÃO
O “Diagnóstico Psicopedagógico” é um estudo voltado para a relação que o sujeito tem com o aprender, procurando entender os motivos que o leva a não aprender ou a apresentar dificuldades no processo de aprendizagem. Durante o diagnóstico, ocorre uma investigação sobre o modo de pensar, sobre o que pode estar oculto na criança ou no jovem com dificuldades no processo de aprendizagem. Esse processo requer sensibilidade e competência do psicopedagogo. Ele deve saber realizar a escuta clínica, ou seja, buscar a compreensão do sentido que o indivíduo atribui ao aprender, as dificuldades que vivencia neste processo e as razões que influenciam ou determinam a não aprendizagem.

Torna-se preocupante os efeitos nocivos de uma ação diagnóstica realizada sem os devidos cuidados, não considerando a história de vida.do sujeito do aprender. A clínica psicopedagógica é o espaço que possibilita tal atendimento mais individualizado.

A pesquisa dos elementos que podem intervir na qualidade do diagnóstico psicopedagógico é relevante para o campo da Psicopedagogia, pois possibilita ao profissional a compreensão dos fatores que influenciam na aprendizagem tornando-o mais capacitado e seguro para refletir sobre a elaboração do um diagnóstico, levando em conta o sujeito aprendente como ativo, criativo e autônomo.

2 DIAGNÓSTICO: CONCEITOS
Ressalta-se a importância de observar a especificidade do diagnóstico psicopedagógico no sentido de haver uma busca, uma investigação sobre o aprender e o não aprender. Captar a especificidade do diagnóstico psicopedagógico é identificar as características que o torna singular.

No diagnóstico do problema de aprendizagem, Paín (1985) acredita ser importante conhecer o tipo de vínculo que o paciente pretende criar com o terapeuta. Com esse fim, ela procura saber como ele foi encaminhado ao consultório e se está lá por vontade própria. O diagnóstico favorece o entendimento da relação do sujeito com os pais, com o outro e de sua história de vida. Dessa forma, Paín crê que a não aprendizagem está associada a fatores como a constituição orgânica e a história pessoal do sujeito.

Já para Weiss (2012), o diagnóstico psicopedagógico possibilita a compreensão da forma individual do aprender, ou seja, da singularidade do sujeito. A autora ressalta a importância da intervenção psicopedagógica ocorrer a partir das características individuais. Diante da queixa da não-aprendizagem o psicopedagogo deve buscar o sintoma, ou seja, o que é percebido pelo próprio indivíduo ou pelo outro.

De acordo com Fernández (1991) existe em cada um de nós uma “modalidade de aprendizagem”, ou seja, uma maneira individual de aproximar-se do conhecimento. Esta postura pessoal é construída desde o nascimento, diante de situações de aprendizagens. A modalidade de aprendizagem é um modo de operar que o sujeito se utiliza frente a qualquer problema de aprendizagem apresentado.

3 DIAGNÓSTICO: O PROCESSO
Alicia Fernández (1991, p. 23) elaborou um modelo próprio de diagnóstico, chamado “diagnóstico interdisciplinar familiar de aprendizagem em uma só jornada” (DIFAJ). Com o DIFAJ ela pretende observar como o conhecimento é concebido por todos os integrantes da família e como ele se articula com o sintoma apresentado pelo paciente. Neste modelo diagnóstico, a criança e sua família compartilham de 4 horas em uma única visita no hospital. Durante estas horas são atendidos por diversos especialistas que emitirão opiniões, no sentido de esboçar um diagnóstico. Esta técnica diagnóstica proposta por Fernández, possibilita ao psicopedagogo articular as respostas dos integrantes da família quando ocorre a consulta com os pais e com os irmãos do paciente. A criança participa de todas as consultas e ouve o que acham dela. Após esse momento, será a vez da própria consulta quando ela terá possibilidade de dizer o motivo pelo qual ela se encontra lá ou quais são suas expectativas. Cabe ao psicopedagogo observar pontos em comum e distanciamentos entre os motivos da consulta dos integrantes da família: pais, irmãos e o próprio paciente. O mais importante é que o terapeuta observe o ponto de vista do paciente e crie uma relação de confiança. Segundo Fernández, a família, participando do processo de diagnóstico, tem a oportunidade refletir e levantar questões sobre o problema do filho, considerando a vida do casal e as relações que envolvem o grupo familiar, ao mesmo tempo. Tal momento é muito significativo para o processo diagnóstico.

Ainda consoante Fernández, o psicopedagogo deve adotar uma atitude de escuta, ao “ler” a produção do paciente e tentar compreender a sua fala e a de seus pais, o que requer conhecimentos específicos sobre o processo do aprender. É primordial para o diagnóstico psicopedagógico saber identificar as singularidades de cada história e observar nas fraturas do discurso. O lugar analítico do terapeuta possibilita que o paciente, ao falar e ser ouvido, possa organizar-se.

O processo diagnóstico pode ser organizado em momentos, criando uma sequência diagnóstica. No entanto, é significativo lembrar que as etapas variam conforme a necessidade de cada caso. Esta sequência é organizada a partir dos primeiros contatos com o paciente. Uma ocasião marcante do diagnóstico é a entrevista de anamnese, pois nela são colhidos dados relevantes da história de vida do paciente. Importante observar outro instante deste processo, a entrevista “motivo da consulta”, quando o psicopedagogo deve relacionar elementos importantes para a compreensão do problema de aprendizagem. O contrato e o enquadramento também são fases notórias do processo diagnóstico. É indispensável que se esclareça as constantes do enquadramento e do contrato, como: o papel do psicopedagogo, a participação dos pais e de outros membros da família, o contato com outros profissionais, a comunicação com a escola; a estimativa do número de sessões e o planejamento do término do tratamento; a definição do horário, dias e a duração das sessões; o estabelecimento do local; a determinação dos honorários. Durante o processo diagnóstico, o profissional seleciona estratégias de intervenção que auxiliarão na investigação da queixa do sujeito, procurando pesquisar o seu problema de aprendizagem. As mais recomendadas são: entrevistas, hora do jogo, os testes e as provas projetivas. Ao final do processo diagnóstico, ocorre outro momento de grande relevância: a entrevista de devolução.

3.1 ENTREVISTA
Modelos de entrevistas são propostos por alguns nomes conhecidos no campo da Psicopedagogia, tais como: Weiss (2012), Jorge Visca (2010), Sara Paín (1995), e Alícia Fernández (1991). Segundo a psicopedagoga Weiss (2012), a opção por um modelo de entrevista deve estar em função da queixa e do que foi expresso em algum tipo de contato antes da primeira sessão

Visca (2010, p. 98) propôs a Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA) que é um instrumento que se apresenta com material simples. Chega-se ao entrevistado por meio de uma consigna: “Gostaria que me mostrasse o que sabe fazer, o que têm lhe ensinado e o que tem aprendido”. Após tal comunicação, o psicopedagogo deve apresentar o material sobre uma mesa, dizendo: “Este material é para você usar, se precisar, para mostrar-me o que eu gostaria de saber de você, como comentei” O autor afirma que a idade do indivíduo interfere no tipo de consigna e na seleção dos materiais. São materiais sugeridos por ele: folhas lisas, folhas com linhas e quadriculadas, apontador, caneta, borracha, tesoura, folhas de papel colorido para dobradura, régua, marcadores, livro ou revista.

Sara Paín (1995) realiza entrevista com o fim de reconstruir a história de vida do paciente. Ela sugere que a entrevista ocorra depois de conhecê-lo e que ocorra por meio de jogos e de provas psicométricas. A “história vital” pode fornecer dados ao psicopedagogo sobre o problema de aprendizagem apresentado pelo seu paciente.

3.2 A HORA DO JOGO PSICOPEDAGÓGICO
Alícia Fernández (1991) mostra que a situação lúdica, no momento diagnóstico, propicia a compreensão dos processos intelectuais e afetivos utilizados pelo paciente e sua influência no seu modelo de aprendizagem. Como as crianças com problemas de aprendizagem apresentam dificuldades no jogar, Fernández considera importante a intervenção do psicopedagogo de modo que ela ganhe recursos e recupere a rigidez de modalidades de aprendizagem sintomáticas. A hora do jogo possibilita a compreensão de alguns processos que originaram a patologia no aprender. Muitos pontos podem ser observados em uma sessão lúdica, mas o fundamental é estabelecer a relação entre a aprendizagem e a queixa que está sendo feita.

Paín (1985) concebe o jogo de grande valia para o diagnóstico do problema. Ela aceita a realização da hora do jogo com crianças até nove anos. A partir dos dez anos, convém substituir este recurso pelo “motivo da consulta”.

Enfim, o jogo possibilita ao psicopedagogo a compreensão dos processos intelectuais e afetivos do paciente, como também o entendimento de processo que se originaram a patologia no aprender. O desenvolvimento da inteligência e da afetividade, o desenvolvimento da interação com o outro e com o meio, o desenvolvimento da criatividade e da personalidade são outras indicações da importância do jogo para a vida da criança e do adolescente. No momento do jogo, o paciente é observado em toda ação da aprendizagem.

3.3 TESTES E PROVAS
Testes e provas são usados no momento do diagnóstico psicopedagógico. Entretanto, cabe ao psicopedagogo realizar uma leitura do paciente ao longo do processo diagnóstico, não se limitando aos resultados de testagem.

Compatível ao pensamento de Weiss (2012), o diagnóstico não prescinde do uso de testes e provas. É importante ressaltar que a opção pelo não uso de provas psicométricas não garante o tratamento do sujeito como objeto, quantificando-o ou rotulando-o. Ela aceita o uso de testes e provas quando pontos não ficaram claros e exigem um estudo em pouco tempo. Estes instrumentos devem ser selecionados em função da queixa do paciente e das hipóteses já surgidas. Há necessidade de fazer uma avaliação qualitativa ao longo do processo de testagem.

Segundo Sara Paín (1985), as provas projetivas auxiliam no diagnóstico psicopedagógico, pois permitem a avaliação dos conteúdos manifestados e sua relação com os sentimentos de agressividade ou medo diante das situações apresentadas. Nos “relatos” o paciente inventa uma história ou antecipa seu final. Paín pede ao sujeito que escolha e rejeite três níveis da realidade: vegetais, animais, objetos. Ela também se vale de “relatos” como tipo de provas em que o paciente tem que inventar uma história ou antecipar seu final. Estímulos gráficos ou verbais são oferecidos ao paciente, sugerindo determinadas relações. A outa prova denominada desiderativo, Paín pede ao sujeito que escolha e rejeite três níveis da realidade: vegetais, animais, objetos. Ele deve transformar-se se em um dos elementos. Sara Paín contempla no diagnóstico as provas específicas de lateralidade (predomínio do olho; predomínio do pé; predomínio da mão) e de lecto-escrita (reconhecimento de letras e fonemas; origem de palavras; comparação do aproveitamento na cópia, no ditado, na escrita espontânea e na leitura). Ainda de acordo com a autora, a análise do caderno possibilita uma avaliação rápida do problema ortográfico da criança.

Em concordância com Fernández (1991), no diagnóstico psicopedagógico, o profissional deve valorizar a escuta do sujeito, os significados que estabelece em seu discurso. É um sujeito epistêmico, que interage com o meio construindo o conhecimento. Entretanto, não utilizar provas psicométricas não significa que esteja garantida a escuta psicopedagógica.

3.4 DEVOLUÇÃO DIAGNÓSTICA
Ao final do diagnóstico, o psicopedagogo deve elaborar a devolução, que consiste em um relato que é feito aos pais e ao paciente, com o intuito de fazê-los compreender a queixa. A construção da devolução ocorre ao longo do período do diagnóstico e com o material expresso nos motivos da consulta. A atitude do psicopedagogo deve ser de afeto com os pais, levando-os à reflexão. É importante frisar que não cabe ao profissional culpar os pais ou deixar que eles se sintam culpados pelo problema do filho. Tal sentimento pode gerar ansiedade, não possibilitando o amadurecimento da família no diagnóstico.

4 DIAGNÓSTICO: FATORES QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO
Sara Paín (1985) afirma, ao analisar os comportamentos dos sujeitos, que o problema de aprendizagem pode ser considerado como um sintoma e que o não aprender funciona como um “sinal de descompensação”. Ela refere-se ao diagnóstico como multifatorial. As dificuldades de aprendizagens não têm uma única causa. Uma série de fatores atuam no comportamento da criança ou do adolescente e que precisam ser considerados pelo psicopedagogo no processo diagnóstico. Ele pode ajustar as hipóteses referentes ao sintoma apresentado pelo sujeito, quando for necessário. Paín sinaliza para a importância da investigação de quatro fatores ao longo do diagnóstico dos problemas de aprendizagem: fatores orgânicos, fatores percepto-motores, fatores psicógenos e fatores ambientais. Os aspectos orgânicos são relevantes para a aprendizagem, como a estruturação do corpo em geral, por exemplo, a audição, a visão, o sistema nervoso. Os fatores específicos são tipos de transtornos que surgem no campo percepto-motor, da linguagem. Com relação aos fatores psicógenos, torna-se relevante identificar a influência dos fatores subjetivos, procurando estabelecer a diferenciação entre inibição e sintoma. O fator ambiental é definitivo para o diagnóstico do problema de aprendizagem, enquanto permite entender a participação social do paciente e a internalização da cultura do grupo.

O fracasso escolar, em especial, os aspectos que podem ser identificados pelo diagnóstico psicopedagógico, é um tema contemplado por Weiss (2012). Ela acredita que o fracasso escolar seja causado por um conjunto de fatores interligados. A não-aprendizagem do aluno na escola é uma das causas do fracasso escolar. Entretanto, esta é uma questão bem mais ampla e que merece um espaço particular de discussão e de análise. Então, de maneira focal, Weiss (2012, p. 19) considera o “fracasso escolar como resposta insuficiente do aluno a uma exigência ou demanda da escola”. Weiss propõe a análise do fracasso escolar sob diferentes perspectivas: a da sociedade, a da escola e a do aluno.

A perspectiva da sociedade é mais abrangente e engloba as outras. Segundo Weiss (2012, p. 19), o diagnóstico pedagógico aborda “o tipo de cultura, as condições e relações político-sociais e econômicas vigentes, o tipo de estrutura social, as ideologias dominantes e as relações explícitas e implícitas desses aspectos com a educação escolar”. Com relação à instituição escola, a autora lembra que ela não pode ser analisada isoladamente, pois reflete o sistema socioeconômico em que está inserido e sofre influência do mesmo. A qualidade da aprendizagem do aluno tem relação com as oportunidades sociais que ele teve, incluindo a escola que frequentou. As condições físicas precárias da escola, a falta de material pedagógico, professores desqualificados e desvalorizados, funcionam como fatores que comprometerão o ensino e a aprendizagem dos alunos. Não se pode desvincular a baixa qualidade do ensino do não-aprender. Muitas vezes o aluno é apresentado como desinteressado, com baixo rendimento escolar e assim é encaminhado a um diagnóstico psicopedagógico. Foca-se o problema no aluno. Entretanto, é preciso também, durante o diagnóstico, analisar a escola e suas práticas pedagógicas como: o trabalho docente, o currículo, o sistema de avaliação. Tais situações podem afetar a qualidade de ensino e gerar ansiedade no aluno originando dificuldades de aprendizagem. Já a terceira perspectiva analisada por Weiss está relacionada ao aluno, às condições internas de aprendizagem, sua intrassubjetividade. Algumas condutas do sujeito, podem influenciar apenas a produção escolar do aluno, em determinada área do conhecimento, em determinado momento de sua vida, podendo ocasionar o fracasso escolar. Weiss (2012, p. 26) deixa claro que não se pode “confundir o aluno com dificuldade de aprendizagem com o aluno que aprende, mas não tem a produção esperada pelo professor ou pela família”.

Com relação ao fracasso escolar, além das perspectivas citadas anteriormente por Weiss (2012), é necessário, na prática diagnóstica, pesquisar alguns aspectos buscando uma visão integral do sujeito: aspecto orgânicos, cognitivos, emocionais, sociais e pedagógicos. Os aspectos orgânicos são relativos ao desenvolvimento biofisiológico do aprendente que podem influenciar no processo de aprendizagem. Como exemplo, podem ser citados os diferentes problemas do sistema nervoso que acarretam problemas escolares como: disfasias, afasias, dislexias, TDA, TDAH. Crianças com alterações orgânicas podem receber de suas famílias uma educação diferenciada, o que possibilita o surgimento de problemas emocionais e dificuldades de aprendizagens. Weiss também destaca a influência dos aspectos cognitivos e acredita que o processo de construção cognitiva ocorre a partir da interação entre o organismo do sujeito e o meio. Os aspectos emocionais estão relacionados com o desenvolvimento afetivo e a construção do conhecimento escolar. O não aprender pode estar envolvido com problemas emocionais e com aspectos inconscientes do sujeito. Os aspectos sociais estão associados à perspectiva da sociedade. Na sociedade encontram-se a família e a escola. E a partir dessas instituições sociais que o diagnóstico deve ser elaborado. A problemática das oportunidades sociais e a formação da ideologia nas diversas classes sociais são pontos que não podem ser esquecidos. Os aspectos pedagógicos, conforme Weiss, constituem fatores externos ao objeto da aprendizagem escolar. Cabe ao psicopedagogo investigar as causas que estão influenciando para a não-aprendizagem da criança ou do jovem. A autora ressalta que a aprendizagem é um processo de construção de conhecimentos em que o sujeito (aprendiz) interage permanentemente com o meio (família / escola / sociedade). Neste momento em que ele interage, há elaboração de estruturas de conhecimentos.

Segundo Alícia Fernández (2001), ensinar e aprender estão intimamente relacionados. O ensinante entrega algo novo ao aprendente, mas ele, para poder se apropriar deste objeto de conhecimento, necessita reinventá-lo. Tal atividade pode ser leve, alegre, fácil ou difícil e complexa, dependendo de como se posiciona o ensinante. Fernández afirma que ele garantirá, ou não, o prazer do aprender, investindo também na reflexão do aprendente. Ensinantes, para Fernández, são pais, irmãos, avós, professores, colegas de escolas. Fernández observa, então, o quanto é importante para o processo de aprendizagem a oportunidade de interagir com o aprendente, possibilitando o prazer da autoria. Este relacionamento entre ensinante e aprendente é que favorece a construção da subjetividade no momento da aprendizagem. Os primeiros ensinantes, como pais e professores, podem produzir ou destruir nas crianças os espaços do conhecimento. Nestes espaços, torna-se possível a construção do conhecimento, pois lhes é dada a oportunidade de refletir e de ser autor de sua própria história.

Fernandez (1991), preocupada com diagnósticos relativos a transtornos de aprendizagem, conclui que não existe um fator determinante para problemas de aprendizagem. Deve-se, portanto, pesquisar a relação do sujeito com o saber e o significado que ele atribui ao aprender. O não aprender também pode ter uma função positiva para o sujeito, como, por exemplo, chamar atenção da família em casa. Assim sendo, no processo diagnóstico, é fundamental a análise do sujeito e de sua família, no sentido de compreender sua história de vida. É importante também verificar o papel que a família lhe atribui. Como a criança pode não vivenciar o papel desejado pelos pais, será necessário buscar sua posição frente a tal situação, pois, a impossibilidade de simbolização, certamente originará em seu organismo uma fratura ou um sintoma. Faz- se necessário, na interpretação do problema de aprendizagem, observar o processo cognitivo do paciente, não devendo haver leituras rápidas, a partir de qualquer ligação entre o simbolizado e o símbolo utilizado pelo mesmo. Enfim, com o objetivo de entender os transtornos durante o processo de aprendizagem, o psicopedagogo investigará o significado que o aprender assume para a família e para a criança.

Fernández (1991) critica psiquiatras, psicólogos e psicopedagogos que querem atribuir a causa da enfermidade de um paciente a um ou outro fator. Tal processo superado é denominado “causalidade linear”. Ela se utiliza, no diagnóstico, do critério de “causalidade circular ou estrutural”. De acordo com esta metodologia, o profissional não pode indicar um único fator causador da doença. Fernández, no diagnóstico, utiliza o critério da causalidade circular ou estrutural. Ela não concebe, por exemplo, que se atribua somente à família como causa do problema do sujeito.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ficou constatado neste estudo que o diagnóstico é um processo e que se constitui em uma investigação sobre o aprender. Durante o diagnóstico, são levantadas hipóteses provisórias sobre o problema de aprendizagem, a partir da queixa feita pelo paciente no sentido de avaliar o significado do sintoma apresentado. Tais hipóteses serão confirmadas ou não e, neste momento, o psicopedagogo estabelece permanentes relações entre teoria-prática, assumindo sua postura de investigador e uma atitude de respeito com o sujeito, o que influenciará positivamente no diagnóstico. Como o diagnóstico é multifatorial, o psicopedagogo deve regular hipóteses ao sintoma apresentado pelo paciente, de acordo com o caso. Cabe ressaltar, então, que a dificuldade de aprendizagem não tem uma única causa, mas variados fatores interferem no comportamento da criança ou do adolescente.

Deve-se levar em conta, no diagnóstico, a pesquisa dos fatores externos e internos que influenciam na aprendizagem do aluno. Como fatores externos, são citados, por exemplo, os aspectos sociais da articulação família e escola. O psicopedagogo deve ser capaz, durante o diagnóstico, de verificar as oportunidades sociais e o nível de interação família/escola/meio social. O profissional também precisa estar alerta para as consequências de um sistema social seletivo e competitivo na vida do aluno. Outros fatores externos que merecem análise são as práticas escolares, os currículos, as metodologias e as avaliações. O fracasso escolher ocorre, muitas vezes, por resposta insuficiente do aluno à demanda da escola. As metodologias são arcaicas, as avaliações seletivas e punitivas, as práticas docentes não visam à construção do conhecimento e não colocam o aluno como o centro do processo do aprender.

No momento diagnóstico, é ainda interessante identificar os ensinantes significativos na história da vida do paciente, conhecer a relação entre eles e o aprendente, e verificar se tal relacionamento facilita ou perturba a atividade do aprender. A forma com o aprender circula no meio em que vive a criança ou o jovem pode ser determinante para sua dificuldade. Assim sendo, o psicopedagogo não deve deixar de averiguar os fatores externos, pois a aprendizagem do aluno e seu comportamento, não podem ser vistos isoladamente.

Fatores internos também necessitam ser examinados no momento diagnóstico. O psicopedagogo tem a função de identificar se o paciente possui algum problema de origem orgânica, neurológica, psiquiátrica ou emocional. Tais problemas podem afetar a aprendizagem do aluno. Neste caso, ele precisa de uma estimulação adequada propiciada pelo tratamento psicopedagógico. O profissional deve verificar se há necessidade de encaminhar o paciente a outros profissionais como: psicólogo, psiquiatra, neurologista, fonoaudiólogo.

Torna-se considerável lembrar que nenhum fator deve se sobrepor a outro ao longo do diagnóstico psicopedagógico. O diagnóstico de qualidade é resultado de uma análise cuidadosa, de uma investigação meticulosa. Faz-se necessária, então, a escuta clínica, no sentido de identificar e valorizar a forma individual do aprender, compreendendo o significado do sintoma e relacionando-o ao problema de aprendizagem apresentado. O sujeito com dificuldades de aprendizagens não exibe confiança em si mesmo ou em sua capacidade de produção. Então, cabe ao psicopedagogo proporcionar situações que o faça produzir, sendo ativo e criativo. Ele deve ter oportunidades de pensar com liberdade, e isto possibilitará o desenvolvimento de sua autonomia.

Bibliografia

FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Tradução: Iara Rodrigues. Porto Alegre, RS: Artmed, 1991.
______. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Tradução: Neusa Kern Hickel. Porto Alegre, RS: Artmed, 2001.
PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Tradução: Ana Maria Netto Machado. Porto Alegre: Artmed, 1985.
______. Subjetividade e Objetividade: Relação entre Desejo e Conhecimento. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica: Epistemologia Convergente. 2. ed. rev. E ampl. Tradução: Laura Monte Serrat Barbosa. São José dos Campos, SP: Pulso Editorial, 2010.
WEISS, Maria Lucia Lemme. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 14. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lamparina, 2012 Maria Cavalcanti Rebel

Publicado em 14/01/2015 15:55:00

Currículo(s) do(s) autor(es)

Sandra Maria Cavalcanti Rebel - (clique no nome para enviar um e-mail ao autor) - Mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense; Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal Fluminense; Pós-graduação Lato Sensu em Psicopedagogia Clínica Escola Aberta do Brasil; Pós-graduação Lato Sensu Metodologia do Ensino Superior; Psicopedagoga Clínica.

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